Gali Tibbon/AFP
A paz não virá da esquerda nem da direita. Os indecisos votam ao centro, a ministra dos Negócios Estrangeiros é o centro e será primeira-ministra, acreditam os membros do Kadima
Reportagem
Alexandra Lucas Coelho, em Telavive
O hino parece do festival da canção, mas o refrão é claro, "Kadima! Kadima! Kadima!" Então, os altifalantes anunciam: "A próxima primeiro-ministro de Israel, Tzipi Livni!!!" E, a seis dias das eleições, a cabeça loura - sempre hirta nos outdoors de Telavive - aparece a sorrir, à esquerda e à direita, entre presidentes de câmara do Kadima, que aplaudem de pé.
É uma manhã cálida, típica do Inverno em Telavive. Enquanto Jerusalém veste o casaco e a Europa congela, aqui anda-se de t-shirt, e há gente a tomar banho no mar, em frente.
A maior cidade de Israel é a cidade easy going, sempre a uns quarteirões da praia, e esta acção Kadima passa-se num hotel da marginal, numa sala com parede de vidro. Mas, mesmo de costas, a outra parede está coberta por espelhos que reflectem a praia.
É assim que enquanto a candidata avança, abraçando os autarcas, o salão parece estar na areia, com o Mediterrâneo dos dois lados, cães, bicicletas e biquinis.
Esta imagem, ao mesmo tempo real e irreal - paz num país que há 60 anos ainda não conseguiu paz - contém toda a ambição de Tzipi Livni, uma princesa da dinastia sionista de direita.
Os seus pais, combatentes da milícia Irgun, aspiraram a nada menos que à Grande Israel (Israel, territórios palestinianos, Sinai, Golã). As credenciais familiares de Livni são impecáveis do ponto de vista dos "falcões". E ela não as desmereceu: estudante brilhante de Direito, oficial distinguida no Exército, agente da Mossad quatro anos, ascensão no Likud pela mão de Bibi Netanyahu e Ariel Sharon. E quando Sharon retirou os colonos de Gaza, para fúria dos crentes na Grande Israel, Livni fez a sua escolha, apoiou Sharon e saiu com ele do Likud para formar o Kadima.
Livni é a herdeira pragmática - aquela que cortou com a Grande Israel para ter as outras pedras do sionismo, um estado para os judeus e democracia. Numa entrevista ao New York Times em 2007, explicou que a sua ambição se foca nisso: Israel continuar a existir como estado judaico, quando isso tende a ser "deslegitimizado".
Para o conseguir, promete negociar com os palestinianos, fazendo-lhes frente quando necessário. É o caminho do meio, resume o Kadima, e o que esta sala diz é que Livni tem as mãos limpas para ir a direito, até à paz.
Num país abalado por escândalos, com Ehud Olmert - primeiro-ministro em exercício - visto como corrupto-mor, "honestidade" é uma grande palavra, e aqui usam-na para descrever Livni.
O marroquino
Um dos autarcas presentes é David Buskila, presidente da câmara da minúscula Sderot. A maioria dos israelitas nunca lá pôs os pés, mas como é a povoação mais perto de Gaza tornou-se um símbolo do que é viver ao alcance de rockets.
E é por isso que quando Livni se sentar, este autarca ficará à sua direita, e será um dos primeiros oradores. Mas por enquanto Buskila ainda está na fase do sumo de laranja e dos bolinhos. "Quase de certeza que ela será o próximo primeiro-ministro. Sabemos que 35 por cento dos eleitores ainda não decidiram e o mapa pode mudar."
Porquê? "Desde que está na política, Tzipi Livni comportou-se de forma honesta. Há menos de um ano, o Kadima tinha 8 a 10 lugares nas sondagens, agora está com 25, e é por causa de Livni. Trouxe uma atmosfera limpa." Depois: "Tem uma posição clara sobre o Médio Oriente e diz a verdade. Quer tentar um acordo com a Autoridade Palestiniana, mas lutará contra ela se fizer mal a Israel." Mais: "Fez excelente trabalho durante a guerra." Como ministra dos Negócios Estrangeiros, e internamente: "Esteve cinco vezes em Sderot."
Economista, 52 anos, Buskila tem origens muito diferentes de Livni. Filho de judeus de Casablanca, nasceu num lugar de pobres recém-chegados, então baptizado como Sderot. Quando Livni chega à sua mesa, abraçam-se, e ela senta-se a ouvir. Buskila, o de pele escura, dirá. "Nem a esquerda nem a direita nos vão trazer paz, a paz virá do centro."
As mulheres
"Ela ainda tem hipóteses", avalia a analista Dahlia Scheindlin. "Nos últimos ciclos eleitorais tivemos surpresas, como o partido dos pensionistas. Agora, a surpresa à direita é Lieberman, mas penso que o Kadima vai conseguir mais do que se espera."
Nas sondagens, o Likud está em primeiro, a curta distância do Kadima. Em terceiro, o fenómeno da extrema-direita, Avigdor Lieberman, rouba votos sobretudo ao Likud, o que favorece Livni. "A direita está a ficar mais fracturada", nota esta analista. "Livni já tem o centro-esquerda, agora precisa do centro-direita."
E nos últimos dias apostou nos jovens - bares de Telavive, terça-feira à noite -, e nas mulheres. "Publicamente não é uma feminista, mas agora acho que houve uma decisão estratégica, não de agenda, mas de discurso, de dizer que o chauvinismo não pode ganhar."
Israel é uma sociedade não apenas masculina, machista, e a estratégia de Livni, resume Scheindlin, foi "provar que era mais general que um general". É a segunda mulher chefe da diplomacia israelita depois de Golda Meir, e quer seguir-lhe os passos na chefia do Governo.
No salão frente ao mar estarão 70 ou 80 pessoas, e é fácil contar as mulheres: oito. Dá uns 10 por cento.
Por isso, a presidente do Parlamento e candidata do Kadima Dalia Itzik insiste na força, quando chega a sua vez de falar: "Sim, Tzipi Livni é forte. É forte a dizer a verdade, é forte no amor por Israel, é forte na forma como lida com o Hamas, é forte por não nos tentar fazer medo todos os dias."
E Tzipi Livni, blaser e calças pretas, tensa, angulosa, falará com força, antes de desaparecer pela porta da cozinha, escapando aos jornalistas.
Uma das oito mulheres que a ouviu foi Mati Yogev, de 43 anos, que lidera o comité de mulheres do partido. Funcionária de uma seguradora, foi fiel ao Likud até Tzipi a trazer para o Kadima. "Já não acredito na via do Likud. Há uma nova realidade. Quero que os palestinianos tenham o seu estado. E Tzipi, tudo o que diz, pensa e acredita. Nunca a vi prometer nada e não fazer."
Dos três filhos de Mati, um está no Exército. "Tenho muito medo por ele, mas se Tzipi for primeiro--ministro tenho a certeza de que haverá paz. Até os chefes dos países do mundo confiam nela."
(publicado em 5 de Fevereiro na edição impressa do Público)
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