Feb 20, 2009

Menos que humano

Crónica
Viagens com bolso


Alexandra Lucas Coelho

Sento-me na cinemateca de Jerusalém e um israelita na mesa à frente diz a um amigo, em inglês: “Em Israel, os palestinianos agora são vistos como menos que humanos.”
A cinemateca é um bom sítio para trabalhar. Há “wireless” de graça, as mesas são confortáveis, as janelas dão para a Cidade Velha, fazem a melhor sopa de abóbora da cidade, e depois alguns filmes têm legendas em inglês (não tive tempo para essa parte).
Suspeito que também seja um sítio onde não predominam os quatro tipos de direita que venceram as eleições israelitas – extrema-direita, direita religiosa, direita-direita e centro-direita. Não se vêem muitos russos daqueles que chegaram há uma dúzia de anos (mas acham que os palestinianos é que cá estão a mais). Não se vêem muitos religiosos (assim de repente, não me lembro sequer de ver “kipas”). Se calhar, há imensos partidários de Bibi e de Livni, mas pelas conversas não parecia.
Na mesa à frente, a conversa era mais para onde emigrar. O homem que tinha dito que os palestinianos agora eram vistos como menos que humanos achava que o melhor país para emigrar era Itália, por causa do sentido de beleza (as mulheres, os homens, qualquer pracinha).
Claro que se nos lembrarmos de Berlusconi – e da televisão italiana –, muitos discípulos de Nani Moretti podem estar agora na cinemateca de Roma a pensar para onde emigrar.
Mas Moretti desesperaria mais em Israel.
A dita esquerda israelita tem sido incapaz de dizer qualquer coisa de esquerda há tanto tempo que quem ainda vota nela já não se lembra do que é a esquerda.
Depois há aqueles que se lembram do que é a esquerda, e portanto são considerados “a velha esquerda”, hoje consciências de um tempo sem consciência, que nunca falarão em emigrar porque sobreviveram ao Holocausto, fundaram Israel e ainda não desistiram do futuro.
Alguns estão já próximos da dita esquerda radical, aquela que é contra o governo numa guerra. Em Israel, ser contra o governo numa guerra não é ser contra o governo, é ser contra Israel, e por isso é que esta esquerda é radical.
Suspeito que o homem na mesa à minha frente fosse um destes radicais. A “velha esquerda” israelita tem idade para se lembrar do que quis dizer na História do século XX “undermenschen”. Foi nesta palavra – sub-humano, menos que humano – que começou o extermínio, antes das câmaras de gás. Porque o extermínio começa quando uma comunidade começa a ver outra comunidade como menos que humana. Foi o que aconteceu com milhões de europeus durante a II Guerra Mundial, e certamente a maior parte deles pensou ter motivos de força maior.
Em Israel, país que há mais de 40 anos coloniza outro povo, quem é que consegue viver com a consciência de que a sua força aérea, metida em F16 de onde não se vêem caras nem corações, matou sistematicamente seres humanos desarmados? Ou se acredita que estavam todos armados ou não se pensa neles como seres humanos. E o resto são histórias da imprensa, apostada em denegrir Israel até com bombas de fósforo.
Mas quando o israelita na cinemateca disse ao amigo que a imprensa não é o discurso oficial, e que na imprensa é onde os palestinianos ainda podem ser humanos, só não fui apertar-lhe a mão porque sou uma europeia constrangida por convenções.
Menos que humano é o olhar do colonizador. Aquilo era um homem.

viagenscombolso@gmail.com

Feb 16, 2009

O quarto das filhas



Muitos israelitas só viram a dor em Gaza quando o médico Izzeldin Abuelaish telefonou para a televisão a pedir ajuda. Três filhas suas acabavam de ser mortas por um tanque israelita. A Pública foi ao quarto onde elas morreram e ao hospital de Telavive onde o pai trabalha.

Alexandra Lucas Coelho, em Telavive

Sexta-feira, 16 de Janeiro
Em Telavive, o jornalista Shlomi Eldar está sentado no estúdio do Canal 10 enquanto a pivot apresenta as notícias.
A guerra de Gaza dura há três semanas e os jornalistas estrangeiros estão impedidos de entrar. Eldar fala árabe, é o repórter que cobre "temas árabes" e tem entrevistado habitantes de Gaza ao telefone. Um dos interlocutores regulares é o médico palestiniano Izzeldin Abuelaish, que vive entre Gaza e Telavive, onde trabalha num hospital.

Eldar conta entrevistá-lo justamente hoje, pelo que tem o telemóvel ligado.

O que os espectadores israelitas vêem a seguir é uma rara sequência em televisão. A pivot, perplexa, passa a palavra a Eldar. Ele agarra o telemóvel e põe-no em alta-voz. Ouve-se um homem desesperado, a chorar, a gritar. "Shlomi, eles mataram as minhas filhas!" Eldar vai explicando aos espectadores que aquele homem é um médico, que trabalha em Telavive há anos e tem oito filhos. Do outro lado, o homem grita, em agonia. "Shlomi! Ninguém consegue chegar até nós!" O jornalista pergunta onde fica a casa, que talvez possa ajudar, mandar uma ambulância.

Isto prolonga-se por quatro minutos, quatro longos minutos de televisão. Até que Eldar retira o auricular e sai do estúdio. Uma câmara segue-o, enquanto ele contacta o exército. E consegue que uma ambulância vá ter com Izzeldin Abuelaish.

Em alguns dos vídeos que se podem ver no YouTube, o médico palestiniano aparece a beijar a mão da sua filha Shada, deitada numa maca, ferida num olho e na mão. Vêm para o hospital Tel Hashomer, em Telavive, onde Abuelaish trabalha. Juntam-se médicos, repórteres, uma multidão que seguiu o drama em directo.

Agora Shada já está na cama, Abuelaish faz-lhe festas, chora, pergunta: "Porquê? Porquê nós?" Médicos israelitas abraçam-no, choram com ele.

E então uma mulher, mãe de um soldado, desata a gritar-lhe que o exército não se enganou, que ele deve ter armas em casa e por isso é um alvo, e grita, grita, enquanto a multidão à volta assiste em silêncio.

Talvez outros pais e mães israelitas tenham pensado ou querido pensar o mesmo, barricados em si próprios, incapazes de ver um pai do outro lado.

Mas o primeiro momento em que muitos israelitas conseguiram ver a dor em Gaza foi este, a dor em directo de Izzeldin Abuelaish. Uma dor entre muitas outras, mas que furou o cerco e chegou à gente nos sofás, antes de jantar.

Para Israel, a guerra do Líbano em 2006 foi um desaire, e a guerra de Gaza veio insuflar o orgulho nacional, a certeza de que o Estado judaico pode e deve defender-se das ameaças, que se concretizavam nos rockets do Hamas. Por isso, quando Israel começou a bombardear Gaza, só a esquerda radical - para os parâmetros israelitas - foi contra. E, durante semanas, a grande maioria da população continuou a apoiar o que os militares chamavam "operação".

O historiador israelita Tom Segev disse à Pública que o drama do médico que perdeu as três filhas foi o momento em que muita gente disse: "OK, talvez baste."

Segunda-feira, 26 de Janeiro
Em Jabaliya toda a gente sabe onde fica a casa do doutor Izzeldin Abuelaish.

Jabaliya é o campo de refugiados em Gaza onde começou a Primeira Intifada. Ruelas tortas com buracos, má construção e carros velhos, uma vida fervilhante nas ruas, quatro gerações de refugiados, desde 1948.

Aqui nasceu e continua a viver Izzeldin Abuelaish. Há nove anos a família construiu uma casa nova com quatro pisos, um por cada irmão.

A Pública não precisa de perguntar duas vezes onde é. O primeiro rapaz sabe, entra no carro e vai dando direcções.

A primeira coisa notável é que a casa está isolada, não tem outras à volta. Não é muito fácil alguém esconder-se ao lado ou atrás. É uma péssima casa para quem queira fazer a guerra, o que bate certo. Izzeldin Abuelaish tem sido um convicto partidário da paz. Sendo médico, trabalhando em Israel e falando hebraico, tornou-se numa imagem rara de Gaza para os israelitas - um rosto para a possibilidade de paz.

A segunda coisa notável é que a casa tem buracos no segundo andar quase do tamanho de uma parede. Não são buracos de tiros.

Mohammed, 13 anos, um dos sobrinhos de Abuelaish, aparece a descer os degraus. O seu célebre tio não está, continua com a filha e a sobrinha feridas em Telavive. Mohammed leva os visitantes a um adulto, Saleh, 46 anos, primo de Izzeldin.

"Eu não estava aqui quando a tragédia aconteceu", diz Saleh, subindo até ao segundo piso. Passando a porta, aparece um salão cuidadosamente pintado, com frescos e reboco, aberto para uma cozinha bem equipada. É visivelmente uma casa nova, em que tempo e dinheiro foram investidos. Mas, agora, os móveis estão partidos, há portas no chão, pilhas de entulho e buracos.

E quando Mohammed indica um quarto, a destruição torna-se avassaladora. Duas das paredes, a da esquerda e a da frente, são agora buracões. Por cada uma entrou um obus. As outras paredes e o tecto estão esburacadas e cheias de sangue. Há um autocolante com o nome Barbie numa delas, e depois a própria Barbie, de saia rodada.

"Este era o quarto das filhas, está a ver?", pergunta Saleh.

Vê-se que sim.

Porque há um beliche, agora coberto de destroços. E há uma chinela, um caderno de Economia Internacional, exercícios de inglês, vários CD, uma cruzeta, duas botas com fivelas, um cachecol, um álbum sobre a Turquia, um teclado de computador, um ténis-cor-de-rosa, uma malinha preta, um compasso, um Pato Donald a rir. E tudo está no chão, partido, coberto de cimento, sujo de sangue, com roupa enrodilhada em traves e metal. Cada coisa diz que isto é um quarto de raparigas, da mais nova, que ainda gostava da Barbie, à mais velha, que estudava Economia.

Estavam a aprender a viver sem mãe, morta com leucemia há cinco meses.

Quarta-feira, 4 de Fevereiro
As forças armadas israelitas divulgam os resultados do inquérito "respeitante ao incidente na residência do dr. Abuelaish". As conclusões são que "dois obuses foram disparados de um tanque, causando a morte das três filhas".

Os soldados tinham ficado sob "fogo de atiradores e morteiros" na área de Sajaiya. Identificaram a fonte do fogo numa casa adjacente e dispararam. Depois "figuras suspeitas foram identificadas no último andar da casa do dr. Abuelaish e pensou-se que fossem colaboradores a dirigir o fogo do Hamas". Após "avaliar a situação no terreno enquanto estavam debaixo de fogo pesado, o comandante da força deu ordens para abrir fogo contra as figuras suspeitas". Foi "desse fogo que morreram as três filhas do dr. Abuelaish".

Segunda-feira, 9 de Fevereiro
É noite em Telavive. Izzeldine Abuelaish está sentado com amigos e a filha Shada num pequeno apartamento do hospital Tel Hashomer, onde há anos trabalha. Quando trouxe a filha e a sobrinha feridas de Gaza, este hospital, o maior de Israel, cedeu um espaço onde ficassem durante o tratamento.

Shada tem um olho tapado. Já foi operada duas vezes e espera-se que recupere a visão. Também perdeu dois dedos da mão direita. Está a fazer fisioterapia. É uma adolescente com covinhas, e sorri, a segurar a mão enfaixada, enquanto o pai lhe pergunta: "Então, qual é a capital de Portugal? Lish...?"

Uma amiga da família faz café. Shada vai dormir.

Depois do comunicado do exército, o dr. Abuelaish foi citado na imprensa israelita a dizer: "Todos cometemos erros, e não os repetimos." E em alguns títulos apareceu só: "Todos cometemos erros." Como se tudo estivesse esclarecido.

Mas a frase, diz, foi truncada. "As pessoas dizem que se o exército matou numa situação destas foi sem intenção e que toda a gente comete erros. O que eu digo é que todos cometemos erros mas temos de aprender com eles, não os podemos repetir."

E quanto ao comunicado, os soldados falam de Sajaiya como se fosse a área da sua casa. "Não é, fica a quatro ou cinco quilómetros. Eles misturaram duas coisas. Não havia snipers nem fogo nenhum perto da nossa casa, não há casas adjacentes onde alguém se possa esconder."

E antes e depois do comunicado outras coisas foram mal ditas e misturadas, como a ideia de que Abuelaish vai pedir asilo.

"Nunca pedirei asilo a nenhum país do mundo. Sou palestiniano, até ao fim, a defender os nossos direitos. Também disseram que eu ia emigrar para o Canadá, quando apenas pensei ir dois ou três anos para o Canadá trabalhar."

De resto, o seu cartão de visita diz Jabaliya.

Os pais eram da aldeia que hoje é o rancho de Ariel Sharon. Quando Israel foi criado, refugiaram-se em Gaza, onde há 53 anos Abuelaish nasceu. "Nasci, fui criado e vivo no campo de refugiados de Jabaliya. É o meu povo, as minhas filhas estudam lá, na escola da ONU."

Trabalhar aqui, em Telavive, é algo que vem dos chamados "anos de Oslo", os mais tranquilos do conflito, entre a Primeira e Segunda Intifada. Em 1993, Abuelaish tornou-se "no primeiro médico de Gaza a trabalhar de forma permanente num hospital em Israel".

Já tinha filhos, e continuou a ter, oito ao todo. Organizou a sua semana assim: de domingo a quinta está em Telavive. Quinta à noite chega a Gaza. "Sexta-feira é para os meus filhos. Sábado, das 8h às 12h, ensino lá, na Escola Médica. E das 15h às 21h faço clínica de graça para os meus doentes de lá."

De cada vez que entra e sai de Gaza tem de passar Erez, o mais inexpugnável dos checkpoints, e passa a pé como toda a gente. Tornou-se numa rotina.

Ao longo destes anos de vaivém, continuou a fazer especializações. Genética em Itália e Bélgica, saúde pública em Harvard. Concorreu às eleições palestinianas em 2006 como independente e hoje diz: "Felizmente não fui eleito." Em vez disso, foi um ano para o Afeganistão, como consultor do Ministério da Saúde. "Estava seis semanas em Cabul, duas em Gaza." Também foi consultor, em colaboração com a União Europeia, no Quénia e no Iémen.

A 25 de Dezembro de 2008, uma quinta-feira, deixou Telavive e foi para Gaza, como sempre. "Às onze da manhã de sábado começaram os bombardeamentos. Os vidros rebentaram logo. Na primeira semana, ainda saía para ir buscar comida, mas quando começou a invasão terrestre ficámos fechados, sem bens essenciais como electricidade, gás, água." Os geradores fazem barulho e podiam atrair a atenção."

Vivemos na escuridão, dormimos em colchões na sala e na cozinha, e a minha filha Shada sentava-se à secretária com velas a estudar. Mas estávamos tão felizes de estarmos juntos." Contando as mulheres e filhos dos quatro irmãos no prédio, ao todo 27 pessoas. "E os meus amigos israelitas e os jornalistas telefonavam duas, três vezes por dia."

Até que a 14 de Janeiro um tanque se aproximou. "Foi chocante, como se eu visse a morte. Telefonei a Shlomi [Eldar, o jornalista do Canal 10], expliquei-lhe, ele comunicou com o exército, comecei a receber chamadas para saber onde ficava a casa. Um coronel Mahdi telefonou-me de Erez, pedi-lhe que retirasse o tanque e o tanque retirou! Fiquei tão contente. Isso significava que já conheciam a casa, que estávamos seguros. As crianças celebraram, estavam eufóricas!"

Na noite de quinta para sexta mal dormirarm, por causa dos bombardeamentos, mas o pior parecia ter passado."

De manhã, acordei as crianças, para o pequeno-almoço. Falámos do que elas queriam estudar. Shada queria Engenharia Informática. Mayar, disse: 'Eu estudarei Medicina.' Aya queria Jornalismo. Nenhuma delas alguma vez teve menos de 97 por cento nos testes. E no mesmo dia, Mayar disse: 'Dá os parabéns a Aya.' Porquê? 'Ela teve o período.' Tinha-se tornado madura, aos 13 anos. Comecei a rir, falei com ela. São minhas amigas, as minhas filhas. Depois consegui falar ao telefone com a minha filha que estava com a tia. Perguntei-lhe: 'O que queres estudar, para onde queres ir? Tenho duas ofertas para trabalhar, em Toronto e em Haifa.' Ela disse: 'Quero voar.' Eu disse: 'OK, então podemos ir para o Canadá. Tudo está pronto na embaixada canadiana, mal haja cessar-fogo.' A minha sobrinha de 17 anos tinha vindo dois dias antes ter connosco, correndo o risco, com uma bandeira branca. Disse: 'Eu quero morrer aqui, não quero ficar em mais nenhum refúgio público no campo, é intimidante, é humilhante. Vocês estão no paraíso em comparação com a nossa vida lá, há dez dias que não tomo banho.' E ficou connosco, veio para o seu destino."

Pelas quatro da tarde, Abuelaish tinha uma entrevista marcada com a televisão. Afastou-se dos filhos. Foi quando veio o primeiro obus pela janela do quarto das filhas."

Cortou-lhes as cabeças. O que viu no tecto são partes do cérebro. Eu vi Shada com o olho a vir para fora, e os dedos, e quando entrei no quarto não consegui reconhecer as minhas filhas e a minha sobrinha, sem cabeças. A minha filha mais nova veio a gritar, e a minha sobrinha desceu com os irmãos dos outros andares. E então veio o segundo obus."

Morreram Bisan, 20 anos, Mayar, 15 anos, Aya, 14 anos (as filhas), e Nur, 17 anos (a sobrinha).

"Comecei a contactar com Shlomi. Pedi para as transferir para aqui, e conseguimos salvar os olhos da minha filha e a minha outra sobrinha, que estava ferida. É a luz que há nesta escuridão." A amiga da família que esteve a fazer café há-de dizer, quando ele não estiver a ouvir, que Abuelaish chorou, gritou, mas não perdeu o centro. Continua a ser pai de cinco crianças que não têm mãe. E brinca com Shada, recebe quem o visita, fala, continua a falar pela paz.

"O que fica disto é que o sangue das minhas filhas não foi desperdiçado, fez uma diferença. Para abrir, espero que de forma permanente, os olhos e mentes dos israelitas, para os fazer ver que há outro lado, uma nação palestiniana a viver ali. É isso que me deixa feliz, que os israelitas tenham começado a olhar, porque, se queremos julgar, temos de olhar para fora da nossa moldura. E que tenha sido também uma razão para este cessar-fogo, para salvar vidas."

Voltou a Gaza três vezes. Viu como a guerra "extremou o ódio, a animosidade" e fez tudo voltar para trás. "É doloroso, porque trabalhámos muito para ultrapassar a animosidade. E não há outra forma, temos de aprender a viver uns com os outros. Agora estamos mais longe, mas não há outra alternativa, se não dar a cada um os seus direitos, com justiça."

Abuelaish tem uma ideia concreta e imediata. "Fortalecer a educação das raparigas de Gaza, para que participem nos processos de decisão." Pensou numa fundação, e está aberto a quem quiser ajudar.

Feb 13, 2009

Entrevista a Zeev Sternhell

Zeev Sternhell - Lieberman é um fenómeno perigoso, não nos enganemos

Não chama guerra ao que aconteceu em Gaza, porque é uma vergonha para a geração dele, que combateu exércitos. Acha que Lieberman pode ser um perigo real, mas não só ele, também os religiosos. Juntos numa crise podem mandar a democracia de férias. De resto, Israel não quer saber do que se passa em Gaza. Entrevista com um dos grandes intelectuais de Israel
Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém

Em Setembro, a casa de Zeev Sternhell (n. 1935) foi atacada com uma bomba e ele ficou ligeiramente ferido. Um choque para gerações de leitores e discípulos deste historiador especialista em fascismo, um dos mais admirados intelectuais israelitas.

Sternhell é um crítico empenhado do movimento dos colonatos e a polícia suspeita que o ataque tenha vindo da extremadireita.

Um sinal da "fragilidade da democracia" israelita, comentou Sternhell.

Entrevista na sua casa de Jerusalém, na tarde a seguir às eleições.

Ficou surpreendido com os resultados das eleições?
Já eram conhecidos há semanas, nada é realmente surpreendente.

Era sabido que o Partido Trabalhista está em queda, é um processo com pelo menos 10 anos, senão 30. Nos últimos 10 anos, perdeu 60 ou 70 por cento do eleitorado.

Desde o tempo em que era o partido de Ben Gurion, dos pais do Estado.
É o partido que fundou o Estado, e não só, preparou-o para a independência pelo menos 30 anos antes. Portanto, isto é muito triste, mas não é uma surpresa. O mesmo para o pequeno partido Meretz [esquerda moderada], que perdeu a sua identidade.

E depois de muitas experiências anteriores, comprovou-se que uma guerra é sempre favorável à direita.

Porque se as pessoas querem um partido político muito forte, que use a força contra os árabes, ficam com o original, não levam a litografia. Porquê ficar com o Labour quando podem ficar com o Likud? Ou Lieberman? Ou um dos partidos religiosos de direita? Porquê votar por um partido cuja ideologia não é a confrontação mas cuja prática é? É melhor escolher alguém que sabe o que quer e cuja prática põe em acção uma ideologia de confrontação, em vez de escolher aqueles definidos há muitos anos como os que matam e choram.

Antes escolher gente que mata e sorri.

Há também aquela frase que diz: "Mata tantos árabes quanto possível e fala tanto de paz quanto possível". Neste caso, trata-se de escolher quem mata muitos árabes e não fala muito de paz.
Nos últimos três anos, tivemos muita conversa sobre paz mas nada fazendo para a alcançar, permitindo que os colonatos se desenvolvessem, como acontece há 30 anos. Desenvolver os colonatos é considerado OK pelos americanos, porque eles pediram para não criarmos novos colonatos.

Portanto, não faz mal se pegarmos num colonato e o expandirmos 30 ou 50 por cento em mais terra árabe terra árabe privada, e isto continua enquanto estamos aqui a falar, a expansão dos colonatos sob os auspícios do ministro da Defesa Ehud Barak.

Durante estes três anos de conversa sobre a paz, fizemos duas guerras, se é que a operação de Gaza pode ser chamada guerra.

Para a minha geração, é uma vergonha chamar-lhe uma guerra.

Lutámos contra os exércitos árabes, vimos os nossos aviões serem abatidos, os nossos tanques a explodir, enterrámos dezenas e dezenas de camaradas em guerras sucessivas. Agora esta coisa, um dos mais fortes exércitos do mundo a atacar uma Gaza desamparada, não é algo a que eu chame guerra.

Foi uma operação punitiva.

Como a segunda guerra do Líbano é considerada um meio falhanço, se não um falhanço, porque tivemos demasiadas baixas, para impedir baixas em Gaza empregámos o tipo de força que se sabe. E para fazer isso não é preciso a esquerda, a direita chega.

Portanto, muita conversa, duas guerras em que nada foi conseguido, três anos para nada.
Sendo assim, não há hipótese para qualquer processo de paz, seja qual for o Governo formado daqui a dez dias ou três semanas.

Pode ser chefiado por Tzipi Livni, por Bibi Netanyahu, o resultado será o mesmo. Talvez o tom seja um pouco diferente, mas mesmo Netanyahu falará com uma voz diferente se e quando for primeiroministro.

Portanto, para o dito processo de paz, estas eleições significam nada.

Como dizemos aqui, temos visto muito processo mas não temos visto paz nenhuma. Se o processo não está morto está moribundo, a não ser que os americanos decidam que querem avançar. Sozinhos, Israel e a Autoridade Palestiniana são incapazes de alcançar resultados.

Nenhum avanço poderá ser conseguido sem uma intervenção forte, brutal, da América. Da União Europeia também, mas a América é mais importante.

Obama é o homem para fazer isso?
É difícil dizer. Ele está envolvido em tantas dificuldades. Até agora, este conflito tem tido um lugar muito pequeno nas prioridades americanas. Os americanos não se importavam realmente que israelitas e palestinianos se matassem desde que isso não tivesse grande influência na região.
Enquanto estiver confinado a Gaza e a Nablus, quem quer saber? Se tivesse influência real no Iraque, no Irão, seria diferente.

Obama mexeu-se um pouco, pôs George Mitchell. Mas temos visto tantos enviados a ir e vir. Dennis Ross, com os seus olhos tristes, aterrou no aeroporto Ben Gurion várias vezes todos os anos. O que conseguiu? É preciso esperar semanas, senão meses, para ter uma ideia. Mas seja como for é melhor que Bush, porque Bush era menos que zero.

A sua visão da guerra de Gaza não é a da maioria em Israel. Mesmo um partido de esquerda como o Meretz apoiou inicialmente a guerra. Não houve uma percepção do sofrimento em Gaza, até que as pessoas viram na televisão o médico que perdeu três filhas. Como é que alguém da sua geração, em termos morais, vê a reacção de Israel a esta guerra?
É verdade que a grande maioria dos israelitas simplesmente não queria ver o que acontecia em Gaza. Havia explicações muito boas, como responder à agressão do Hamas.

Temos tendência para nos vermos sempre como vítimas, e isto dura há dezenas de anos, provavelmente desde a II Guerra.

Até agora, que somos um poder militar, ainda nos vemos como David, e Golias está sempre em Gaza.

Durante a guerra, a televisão israelita não mostrou o que os espectadores na Europa viram.
Temos a CNN e tudo isso, mas os canais israelitas não podiam mandar repórteres e não mostraram o que foi filmado por outros. Foi uma combinação conveniente para os israelitas. Sim, eles sabiam que provavelmente entre 350 e 400 crianças tinham sido mortas em Gaza, mas a responsabilidade era dos palestinianos, porque o Hamas se escondia na população o que não é falso, porque não há um exército do Hamas, estão aqui e ali, no cimo dos prédios.

Esta manhã assinei uma carta dirigida ao ministro da Defesa a pedir uma investigação à morte das três filhas do médico de Gaza.

O exército clama que um par de snipers ou gente a dirigir o fogo de Hamas foi identificada no topo do prédio. O médico diz que não há qualquer hipótese de haver gente do Hamas aí. O israelita típico prefere acreditar no porta-voz do exército. Eu não acredito no portavoz do exército desde os meus 20 anos.

Mas para muitos israelitas é bom, a sua consciência fica limpa. Abba Eban, um mitológico ministro dos Negócios Estrangeiro [de 1966 a 1974], dizia: "Se não usares a tua consciência, de facto ela fica limpa."

É uma forma que as pessoas encontraram para viver, uma estratégia de sobrevivência.
É um reflexo psicológico de autodefesa. Não ver o que acontece ao pé da nossa porta é um hábito pelo menos desde a Guerra dos Seis Dias. Não queremos realmente saber o que está a acontecer na Cisjordânia. Fica a alguns quilómetros de Jerusalém Oriental, e preferimos não ver e não saber.

Se queremos viver uma vida normal, essa é a forma.

O líder da extrema-direita Avigdor Lieberman cresceu nestas eleições para os 15 deputados. O seu partido é agora o terceiro em Israel. É um fenómeno temporário, ou tem a ver com a evolução da sociedade israelita?
Lieberman é comparável a Le Pen, em França. É o mesmo tipo de psicologia. Em alguns aspectos é comparável a ditadores dos anos 70 e 80 na América do Sul, ditadores autoritários, com políticas económicas liberais, Pinochet, os generais argentinos.

Não gosto de usar o termo fascismo porque tem um significado mais complicado para mim. Mas o fascismo não é a pior coisa no mundo. Os ditadores argentinos e Pinochet foram muito mais brutais, violentos, sangrentos que Mussolini.

Isso agora já não se faz.

Lieberman não está a pôr em causa a democracia, e Le Pen também não estava. Mas democracia não é apenas pôr um papel numa urna. É antes de mais direitos do homem, igualdade entre todos os cidadãos, e isso é algo que Lieberman não aceita.

Direitos do homem é algo ridículo para ele e a gente dele. E árabes e judeus não têm os mesmos direitos para ele porque os árabes reconhecem o Estado de Israel mas não um Estado judaico, e isso é suficiente para fazer deles cidadãos de segunda ou terceira, e alguns deixarem de ser cidadãos. E a separação de poderes: Lieberman odeia o Supremo Tribunal, que, como não temos constituição, é o pilar da democracia israelita.

Portanto, ele não reconhece realmente elementos básicos da democracia. E está a ficar mais forte de eleição em eleição. É um fenómeno perigoso, não nos enganemos.

Mas ele não é o único perigo. O partido Shas [dos sefarditas ultraortodoxos] é fundamentalmente anti-democrático. São até antisionistas.

Porquê?
Porque para eles Israel não tem a mesma importância que para mim, não é um objectivo, não tem valor em si, é só um instrumento para tornar possível esperar pelo Messias, e o sionismo não era isso.

Portanto, se juntarmos Shas, Lieberman e os outros partidos religiosos, temos pelo menos um quarto dos membros do Knesset que não estão comprometidos com a democracia, e as estruturas democráticas de Israel. Numa situação de crise, pode ser perigoso.

O que pode acontecer?
Como aconteceu na I Guerra, podem mandar a democracia de férias. Governar sem a supervisão do Supremo Tribunal, por maioria simples no Knesset, ou se necessário sem o Knesset. Mas não seria preciso, porque esses 25 por cento facilmente conseguiriam o apoio de 25 por cento do Likud, apesar do Likud ser um partido democrático.

A questão de saber se a democracia é um valor em si ou é boa para tempos de luxo, é uma grande questão. Não era difícil conseguir uma maioria que a achasse a democracia boa mas não para todos, ou nem sempre. É preferível não pormos isso à prova.

Como é para alguém da sua geração ver Israel a caminhar assim para a direita?Não é exactamente aquilo que esperávamos e pelo qual lutámos.

Não imaginámos uma sociedade onde as desigualdades estivessem entre as maiores do mundo ocidental. As coisas podem mudar, mas a maior parte de nós não está contente. E não é uma coisa de geração, mas de visão do mundo.

Num inquérito nos liceus, Lieberman foi o líder mais popular. E as opiniões minoritárias pagam um preço alto a si, aconteceu-lhe recentemente ser agredido. Há algo doente na sociedade israelita?
Numa sociedade em permanente tensão e guerra, cujas gerações mais jovens estão habituadas ao domínio colonial sobre outro povo, a quem negam o direito a uma existência nacional, é normal que os jovens respondam a um apelo de um líder forte, de alguém que faz piadas sobre o Supremo Tribunal. É normal em sociedades desestabilizadas.

Estamos numa situação comparável à Europa em vários momentos da História. Estamos quase sempre em guerra, e também temos de enfrentar o terrorismo, o Hamas é um movimento terrorista, recusa-se a aceitar a existência de Israel. Numa situação destas, os jovens tendem a ir para a extrema-direita.

O mero facto de o sistema democrático não ter sido abanado até às fundações nos últimos 60 anos é um feito, mas um feito que tem de ser defendido sempre.

Mas ainda estamos numa situação em que não sofremos uma grande derrota. E enquanto não a sofrermos e a situação económica não for catastrófica, o sistema funciona.

Brunch de shabat

Viagens com bolso
Crónica


Alexandra Lucas Coelho

Sábado acordei em casa da Lisa. Ela vive em Abu Tor, um bairro de fronteira, com casas antigas, conventos e pinheiros. Na rua dela é Jerusalém Ocidental.

Lisa é uma judia de Nova Iorque, do género de ficar enrolada numa manta a rir da campanha israelita na televisão mas não mais do que cinco minutos. Dos religiosos no espaço sideral, do partido dos pensionistas e daquele momento em que aparece uma cabeleireira a dizer: “Eu quero um homem.” Quer dizer, um homem no governo. E o que Lisa então diz, com cinco segundos de exasperação e um sotaque da rua 4 com a Broadway após mais de 25 anos em Israel, é: “Este país é tão atrasado!”

Nunca a vi perder o sentido de humor, nem aquela espécie de distância em relação a tudo o que não é mesmo importante para ela.

Entre as coisas importantes está escrever e traduzir. O escritório dá para um jardinzinho nas traseiras e tem um tecto tão alto que se fez uma mezanine. Passei muitas noites nesta casa com um cheiro doce, de flores, e aquela mezanine é a minha cama.

Então sábado Lisa ia a um “brunch” em casa de amigos e combinara levar-me. Era um bom passeio, saímos a pé.

Uma das coisas extraordinárias de Jerusalém é como se pode ir no meio da cidade e virando a esquina estar-se num vale dramático, com oliveiras, pinheiros e de repente um cânone de “muezzins” entre colinas, de minarete em minarete. E é “shabat”, os judeus religiosos empurram carrinhos de bebé, há anciãos de fato de treino com garrafas de água, e gente como nós, casaco à cintura porque está quente-quase-Verão, uma garrafa de vinho no bolso.

Abu Tor, Talpiyot, Arnona. Os amigos de Lisa moram numa casa de dois pisos com vista para o vale. Ela dá aulas numa escola de artes, ele é psicólogo. Têm três filhos, um deles soldado. Livros, peças antigas, algum “design”, tudo acolhedor.

Sentámo-nos no terraço a beber “bloody marys”, e era a paz.

Depois veio o “brunch”, sopa de couve-flor, beringelas com pasta de sésamo, pão, queijo, vinho, e começou a guerra.

Eu julgo ter visto em Gaza uma tal escala de violência que, além de 1300 mortos, dezenas de milhares de pessoas estão de luto ou sem abrigo – e não vi nada, porque não estive lá mesmo durante os bombardeamentos, talvez os primeiros alguma vez feitos sobre uma população que não tinha para onde fugir.

E aterro em Israel para passar um civilizado “brunch” a ouvir como toda a população do sul do país está traumatizada com os “rockets” que mataram três civis. Como Israel está a ser agredido pelo Hamas, pelo Hezzbolah, pelo Irão, por todo o mundo muçulmano. Como a Europa está cega porque não vê o que vai sofrer com os muçulmanos. Como Israel está sozinho, ameaçado e ainda assim é paciente e humanista. E como são desprezíveis os israelitas que levam na cara e querem paz, e quando o país estava em guerra não apoiaram o seu governo.

Então, após uma meia hora de batalha, a confecção da beringela pareceu-me fascinante e também falámos de sopas.

Mas eis senão quando Lisa resolveu contar que fora a uma grande manifestação contra a guerra em Telavive e uma miúda pró-guerra lhe tentara pregar uma rasteira. “Uma miúda! Eu podia ser mãe dela!”, dizia a minha amiga, com o seu sotaque da rua 4, perante o silêncio dos amigos.
E voltámos as duas pelo mesmo passeio a falar da vida, mas já sem vinho. Um peso a menos.

viagenscombolso@gmail.com

Feb 12, 2009

Bibi Netanyahu lidera cenários pós-eleitorais para governar


Benjamin Netanyahu fala aos apoiantes após os resultados
Yannis Behrakis/Reuters


Como desatar o nó das eleições? Bibi com Livni, Bibi sem Livni são os cenários falados. Entre os palestinianos, nenhuma expectativa para a paz

Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém

Depois da caça ao voto, é a caça a Avigdor Lieberman. Nos sites israelitas, ontem as notícias avançavam por esta ordem: "Livni vai reunir-se com Lieberman", "Livni está reunida com Lieberman", "Bibi vai reunir-se com Lieberman", "Bibi está reunido com Lieberman".

Confirmando a tendência dos últimos dias, em que a vantagem do Likud de Bibi Netanyahu foi diminuindo, o Kadima de Tzipi Livni ganhou por um deputado. Em 120, o Kadima teve 28 e o Likud 27, o que significa que nenhum tem maioria para formar governo, ambos precisam de vários outros partidos, e por isso negociar com Lieberman é uma prioridade.

Com 15 deputados [Yisrael Betenu], o líder da extrema-direita é agora a terceira maior força nacional, e ainda não disse se preferia Livni ou Bibi.

Mas é consensual entre os analistas que Netanyahu parece ter mais apoios que Livni para uma coligação, porque o bloco de direita soma 65 deputados, e o bloco de esquerda apenas 55.

A direita subiu e a esquerda baixou, e se Livni conseguiu um bom resultado foi à custa dos que estão à sua esquerda. Terá beneficiado do voto útil de muita gente que principalmente não queria Netanyahu no governo, sobretudo eleitores trabalhistas e do Meretz.

E isso ajuda explicar o desaire destes dois partidos. O Labour, o grande partido histórico de Israel, está reduzido a uns catastróficos 13 deputados. E o Meretz ficou com três, e em estado de choque - é possível que tenha perdido também para o Hadash, liderado pelo árabe Mohammed Barakeh em aliança com o comunista judeu Dov Hanin, agora com quatro deputados. A dita esquerda radical e os partidos árabes não desceram, pelo contrário.

Com 99 por cento de resultados apurados, faltam os votos dos soldados e dos diplomatas. Serão conhecidos esta noite, e poderão significar um deputado. Como os soldados tendem a votar à direita, isso pode beneficiar ainda mais Bibi.

Os próximos dias serão de frenéticas negociação de bastidores. O Presidente Shimon Peres recebe os partidos para a semana. Cada partido recomenda um nome. Esse nome vai somando deputados consoante o peso de cada partido. Peres depois nomeia o líder que tiver mais apoios entre os deputados. Ontem um porta-voz presidencial disse que essa nomeação poderá acontecer por volta de dia 20.

Como desatar o nó
"O resultado é um nó, era previsível", resume ao PÚBLICO Nahum Barnea, do jornal Yedioth Ahronoth. E este comentador político, talvez o mais famoso da imprensa israelita, vê duas formas de desatar o nó.

"A primeira é que haja uma divisão de poder entre Likud e Kadima, com a possibilidade de rotação de primeiro-ministro entre Livni e Bibi ou com igual número de ministros e um deles como primeiro-ministro."

Logo após o anúncio das previsões, o Kadima pareceu inclinado para uma solução dessas. E ontem Livni voltou a propor um governo com o Likud chefiado por ela. Mas a ideia da rotação parece pouco popular. Do lado do Likud apareceu um deputado a dizer que a rotação é para quando há empates de 60-60 nos blocos. E, do lado do Kadima, apareceu um ministro a dizer que a rotação "é uma experiência" que "em geral não resulta".

E tanto Livni como Bibi parecem muito empenhados em ser primeiros-ministros. Bibi nem esperou pela manhã seguinte para apelar a uma coligação chefiada por ele, e Livni ontem disse: "As pessoas escolheram-me. Sinto uma grande responsabilidade de traduzir o poder que me foi dado em acção."

O Kadima é o partido fundado por Sharon na sequência da retirada de Gaza, que foi fracturante no Likud. Cresceu com gente do Likud, dos Trabalhistas, mas não tem raízes em Israel, e foi desgastado pela actuação do actual primeiro-ministro, Ehud Olmert, na guerra do Líbano e por escândalos de corrupção. Quando Bibi era dado como vencedor certo, há semanas, pensou-se que o Kadima pudesse implodir depois das eleições. Parte da vitória de Livni foi ter conseguido segurá-lo, e bater-se mesmo pelo primeiro lugar.

Mas não é suficiente para um bloco de centro-esquerda, e o segundo cenário previsto por Nahum Barnea não inclui Livni. "Netanyahu pode liderar uma coligação de direita, porque tecnicamente está em melhor posição para formar governo."

E Lieberman será um kingmaker, aquele que decide. "Para formar governo não basta Lieberman, são precisos vários partidos", diz Barnea. "A diferença entre Lieberman e o [partido ultra-ortodoxo] Shas é que o Shas já disse que vai recomendar Bibi enquanto Lieberman não disse quem ia recomendar."

É essa incógnita que dá poder negocial ao líder da extrema-direita.

Já Yossi Verter, comentador político do diário Ha'aretz, acha que Livni nem tem hipótese de ser primeiro-ministro. "Bibi será primeiro-ministro, num governo à direita ou num governo com o Kadima. Livni não tem suficientes deputados que a recomendem."

Parece claro que não terá o apoio dos partidos árabes. Ontem o líder do Ta'al, Ahmad Tibi, disse que não vai recomendar Livni nem integrará uma coligação com ela, "tendo em conta comentários sobre os árabes feitos no passado".

Quanto a Lieberman, entre encontros com Livni e Bibi, vangloriou-se de ter "determinado a agenda destas eleições", declarou que queria um governo de direita e falou sobre o Hamas: "Não teremos negociações directas ou indirectas com eles nem um cessar-fogo. Não importa que tipo de governo será formado; se estivermos nele, a derrota do Hamas será o principal objectivo."

"Pode tentar, Livni e Barak tentaram muito e falharam", ironiza Ali Jirbawi, analista palestiniano da Universidade de Birzeit. "Se Lieberman quer mesmo derrotar o Hamas, então deve haver um processo de paz a sério, não apenas conversa e conversa."

Do lado palestiniano, muita gente viu estas eleições em Israel como uma escolha entre a direita e a direita, e ninguém parece acreditar que faça muita diferença um governo liderado por Bibi ou por Livni.

"Vai ser uma continuação do que aconteceu até agora", resume Jirbawi. "Negociámos com Livni e nada aconteceu. Não há quaisquer expectativas do lado palestiniano. Passámos mais de 15 anos a falar. Se eles agora têm alguma coisa para oferecer, digam. Se não, podem ir de guerra em guerra."


(publicado em 12 de Fevereiro na edição impressa do Público)

Feb 11, 2009

Votar à chuva e ao vento, dos árabes aos religio sos verdes


Tzipi Livni
Uriel Sinai/AFP


Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém

Reem está a sair da secção de voto com uma trouxa nos braços. "Tem dois meses", diz, puxando um cobertor até aparecer uma minúscula cabeça cor-de-rosa. Apesar de chover e soprar vento forte em Jerusalém, este pai foi um dos que não deixaram de vir votar. Mais à frente, a mulher leva duas crianças e outras duas saltitam, com pequenas kipas na cabeça. Cinco filhos? "Não, nove. Os outros não vieram."

São religiosos, mas não ultra-ortodoxos. E, de acordo com a lei internacional, são também colonos. Porque esta secção de voto fica numa escola em Sheikh Jarrah, um dos principais bairros de Jerusalém Oriental. Do lado de fora do portão, param carrinhas cheias de crianças, meninas de saias até aos pés e meninos com kipa, e os pais vão desmontando carrinhos de bebé.

Depois chega uma carrinha com autocolantes do partido A Casa Judia, religiosos de direita. Tem um sorridente homem ao volante, e no banco de trás uma jovem mãe de turbante, com o bebé metido na camisola. É comum: os partidos vão buscar pessoas a casa e levam-nas a votar. A seguir aparecem estudantes judeus da Universidade Hebraica, que não fica longe. Avi e Shiran, morenos e sorridentes, não têm um problema de indecisão, ao contrário de muitos israelitas. "Vou votar por Bibi, claro!", diz Avi. "Eu também, e ele vai ser o vencedor", diz Shiran.

Dos três líderes que podem ganhar - Bibi Netanyahu (Likud), Tzipi Livni (Kadima) e Ehud Barak (Trabalhistas) - ele é o mais à direita, e Avni e Shiran querem votar à direita.

Nesta parte da cidade há uma outra fatia de eleitores, os árabes israelitas. Os que não boicotam as eleições poderão dividir-se entre o partido árabe de Ahmad Tibi e um partido misto como o Hadash, que tem o judeu comunista Dov Hanin.

E é o que se verifica com os próximos eleitores. Primeiro, um casal, ela de lenço na cabeça, ele de fato. "Votámos por Ahmad Tibi", diz o marido, que tamém se chama Ahmad, tem 51 anos e trabalha em hotelaria. "É perigoso não votarmos. Se votarmos, talvez tenhamos 15 deputados no Parlamento que possam fazer alguma coisa.

"Eles a saír e quatro raparigas de cabelos ao vento a entrar, jeans e saltos. São... árabes? "Sim, claro", diz Rania, que tem 20 anos e vai votar Hadash, como todas elas. "Porque somos uma minoria e o nosso voto pode ter efeitos, para podermos ter os mesmos direitos que os judeus e estarmos representados no Parlamento. "Noutra parte da cidade, no bairro German Colony - burguesia cosmopolita e maioritariamente laica -, há todo o tipo de propaganda partidária à porta de uma escola onde se vota.

Encostado à grade, com uma banca do partido e tudo, um rapaz distribui panfletos de Livni. Sentados num banco de jardim, dois rapazes distribuem panfletos de Netanyahu. E de pé, no passeio, um homem de grande cabeleira e barba grisalha distribui panfletos dos verdes religiosos. Chama-se Claude, veio do Uruguai, fala espanhol e português. "Espero que tenhamos pelo menos um deputado", diz. "Sou judeu crente, mas sou sensível à ecologia e à moderação com os palestinianos. O respeito do outro é a minha identidade, e tem que ser uma força para contrabalançar o fascismo do Lieberman."

Lá dentro, Yohai, que veio com a mulher e o bebé, vai votar Meretz. "É a única esquerda sionista", suspira. "A única esquerda." Também há o Hadash, de judeus e árabes. "Pois, ainda pensei no Hadash. Gosto muito de Dov Hanin, se tivesse que escolher um primeiro-ministro escolhia-o a ele. Mas no Hadash são mais árabes que judeus." Já Rava, 71 anos, caminha para votar ainda não completamente convicta. "Tinha que votar algo e não conseguia decidir, mas não podia deixar de vir." E então? "Vou votar pela direita, e por um partido pequeno." Isso é certo. "Provavelmente, A Casa Judia."

Mas não precisou que a trouxessem de carrinha.

Tzipi Livni ganha mas Bibi Netanyahu poderá ser o primeiro-ministro

O bloco de direita bateu o bloco de esquerda. Kadima e Likud dizem que podem formar governo. Lieberman foi o terceiro e trabalhistas sofreram uma grande queda

Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém


Tzipi Livni fez o pleno. A líder do Kadima apareceu como vencedora das eleições israelitas em todas as projecções à boca das urnas. Mas como o bloco da direita terá conseguido mais votos, aumentando o número de deputados, Benjamin (Bibi) Netanyahu, o líder do Likud, poderá ter mais facilidade em formar uma coligação. Livni ganhou e Bibi perdeu, mas é possível que seja este último o primeiro-ministro.Para um Parlamento com 120 deputados, as projecções das televisões israelitas deram entre 29 e 30 lugares a Livni e entre 27 e 28 a Bibi.

Avigdor Lieberman confirmou o Yisrael Beyteinu como a terceira força, com 14 a 15 deputados, embora não tenha subido tanto como as últimas sondagens previram.

Em quarto lugar, confirmando uma clara decadência, os trabalhistas liderados por Ehud Barak apareciam com uns meros 13 deputados.Em quinto, os ultra-ortodoxos sefarditas do Shas (9 a 10 deputados). E os restantes lugares dividiam-se entre partidos pequenos como o Meretz (esquerda, também em baixa, 4 deputados), o Hadash (árabe-judeu, comunista, 4), o Ta'al (árabe, 3) e outros partidos judeus religiosos e árabes.

Tudo isto somado, nas contas do jornal Ha'aretz, o bloco da direita (Likud, Lieberman, Shas e outros religiosos) somava 63-64 lugares, enquanto o bloco da esquerda (Kadima, Trabalhistas, Meretz, Hadash, partidos árabes) ficaria pelos 56-57.

A decisão do Presidente
No sistema israelita, cabe agora aos partidos recomendarem um nome ao Presidente, e Shimon Peres deverá convidar o líder que tiver mais condições para assegurar um governo estável. Netanyahu apressou-se a divulgar um comunicado em que apelava a "todos os partidos do campo nacional para se unirem sob um governo" liderado pelo Likud e anunciava que se virará para os partidos sionistas para formar "um governo de unidade nacional tão abrangente quanto possível".

O chefe de campanha de Livni disse que ela poderá formar um governo de unidade nacional, que incluísse o Likud e os trabalhistas, e um membro forte do partido, a presidente do Parlamento, Dalia Itzik, declarou que Livni "será a próxima primeira-ministra".

"Dado que todas as previsões a dão como vencedora, é de confiar que Livni seja a vencedora", disse ao PÚBLICO Itzhak Galnoor, politólogo e investigador no Instituto Van Leer. "Isso significa que ela conseguiu reter os deputados que o Kadima tinha e talvez ganhar um. E Bibi agora vai ter problemas no seu partido, porque se esperava que vencesse, e mesmo que seja ele a tentar formar a coligação, não vai aparecer nas negociações com tanta força como se tivesse sido o primeiro na votação.

"Este analista destaca "a grande queda dos trabalhistas, de toda a esquerda", que "perdeu votos para o Kadima". Livni terá ganho o primeiro lugar à custa não de votos do centro direita mas de votos da esquerda.

A surpresa árabe
E "outra surpresa" é o voto árabe. "Parece que os três partidos árabes juntos vão ter 10 deputados no Knesset [Parlamento], que é o que têm agora, quando toda a gente esperava que baixassem, por causa do boicote." A guerra de Gaza levou dois partidos árabes israelitas a apelarem ao boicote nas urnas.

Esta participação será também uma resposta a Avigdor Lieberman, o líder da extrema-direita que construiu toda a sua campanha com o lema "Sem lealdade não há cidadania" - o que se traduz na proposta de que os árabes israelitas façam uma declaração de lealdade ao Estado ou percam direitos cívicos, como votar.

"Mas Lieberman conseguiu apenas 15 deputados", ressalva Galnoor. "É verdade que subiu, passou dos 11 deputados para 15, mas não duplicou nem teve os 20 lugares de que se falou.

"Avi Bareli, professor de Ciência Política na Universidade Ben Gurion, também dava como muito provável que fosse Benjamin Netanyahu a formar governo. "O bloco da direita é claramente maior." E se Avigdor Lieberman resolver recomendar Tzipi Livni a Shimon Peres? Nesse caso, Livni passaria a ter mais 15 deputados no seu bloco. "Lieberman não vai fazer isso, seria suicídio", descarta este analista. Porque Liberman e trabalhistas teriam muitas dificuldades em trabalhar juntos, e os trabalhistas são um parceiro natural de Livni.

Feb 10, 2009

A guerra e Ivan o Terrível

Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém

Há umas semanas, quando Avigdor Lieberman se viu investigado por suborno, fraude e lavagem de dinheiro, explicou aos apoiantes que eram ataques de “rotina”, por ser visto como o “Ivan o Terrível do ‘establishment’ israelita”.

Em causa estão centenas de milhares de dólares transferidos para empresas em nome de Lieberman ou da sua filha Michal, quando ele era ministro. A polícia considerou as suspeitas “graves” e deteve colaboradores. Mas a investigação em curso não impediu que o ex-porteiro de bares vindo da Moldova há 30 anos se tornasse uma força eleitoral.

E, contrariando a visão de Lieberman como um racista de extrema-direita, Hanoch Daum – religioso célebre por se assumir como homossexual e questionar a ortodoxia – perguntou na sua coluna do “Yedioth Aharonoth”: “Ele é assim tão mau?”

A resposta de Daum é que não, Lieberman não é assim tão mau – porque defende os colonatos em blocos e não espalhados pela Cisjordânia, admite devolver “alguns bairros de Jerusalém” aos palestinianos, tem ideias interessantes de transferência da população árabe e até propõe o casamento civil.

Em Israel, quem não quer casamento religioso tem que casar fora. Só há casamentos religiosos, e politicamente isto não é um pormenor. Para os religiosos em geral é um pilar. E “para metade da população é importante”, diz ao PÚBLICO o cientista político Itzhak Galnoor, do Instituto Van Leer.

O casamento religioso e a comida “kosher” são uma força e uma fraqueza de Lieberman. Uma fraqueza, porque os ultra-ortodoxos sefarditas do partido Shas (em quinto lugar nas sondagens) servem-se disso para atacar Lieberman. Uma força, porque os votantes russófonos (mais de um milhão) são, em geral, pelo casamento civil e pelo porco.

Mas com a guerra de Gaza, a primeira coisa na cabeça de quase todos os israelitas passou a ser a segurança, e essa é a força dominante na ascensão de Lieberman.

Os votos do medo
“Quando começou a campanha, achámos que as eleições iam ser sobre corrupção”, relembra Galnoor. “Depois, com a crise, achámos que iam ser sobre economia. E agora é a segurança. Lieberman é uma reacção ao medo. Cerca de 50 por cento dos que vão votar nele são imigrantes da ex-URSS, o que é compreensível, muitos são chauvinistas, têm medo dos árabes. Mas os outros 50 por cento procuram um líder forte por causa da guerra.”

De resto, Itzhak Galnoor destaca quatro características nas eleições de hoje. Primeira, indecisos: “Na última sondagem, 20 por cento não sabia o que votar, o que é novo, porque os israelitas têm opiniões fortes. Isto significa que ainda pode haver grandes mudanças.” Há 10 dias parecia claro que o Likud de Bibi Netanyahu ia ganhar. Entretanto o Kadima de Tzipi Livni reduziu a diferença nas sondagens. Lieberman foi buscar votos ao Likud, o que enfraqueceu Bibi e favoreceu Livni. Muitos votantes não-Kadima pensam votar Livni simplesmente para derrotar Bibi.

Segundo ponto, voto árabe. “As sondagens estão baseadas na ideia de que muitos árabes não querem participar. Mas se a participação for a média, 65 por cento, o bloco do Kadima para a esquerda será maior.”

Terceiro: “Temos agora três líderes [Bibi, Livni, Barak] que podem aspirar a ser primeiro-ministro, e isso é novo. O primeiro-ministro pode não ser o mais votado mas o que consegue uma coligação mais forte.”

E finalmente: “Todos os três líderes poderão ser parceiros de coligação. Pode mesmo haver uma rotação de primeiro-ministro. Entre 1984 e 1990 tivemos um governo de unidade, com Shimon Peres e Yitzhak Shamir.”

Posto isto, Galnoor pensa que Netanyahu é “o mais provável vencedor”, e que Lieberman não deverá chegar a ministro, apesar de Bibi ter dito que lhe ofereceria um ministério. “Diz isso porque quer os votos de Lieberman, mas Bibi é muito sensível à relação com os EUA e eles não gostariam de ver Lieberman no governo.”

Explosão árabe
“Lieberman é o primeiro chefe de um forte partido fascista em Israel”, resume ao Público Yaron Ezrahi, especialista em Política e Democracia da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Fascista, com forte tónica no racismo e na apatia.” E “não é sério” tentar dizer que não é assim tão mau. “Basicamente, ele quer os árabes daqui para fora. O partido dele é alimentado pelo conflito entre judeus e árabes, e se for forte os confrontos de Acre podem espalhar-se.”

A histórica Acre é hoje uma cidade com árabes e judeus, no Norte de Israel. Há meses, houve um tumulto com destruição de lojas, e o festival de teatro foi cancelado. Lieberman pode ser combustível para uma explosão árabe? “Absolutamente. Ele é uma continuação de Kahane [líder da direita terrorista inspiradora do assassinato de Yitzhak Rabin]. Mas aprendeu a usar cosmética para parecer aceitável.” É um perigo verdadeiro? “Sem dúvida. Não é coincidência que tenha crescido nas paixões do pós-guerra.”

E é aqui que Lieberman se liga ao Hamas, diz este analista. “O Hamas mudou a equação ‘terra por paz’ para ‘terra por rockets’, e isso é um grande golpe para o movimento da paz. A evacuação de 8000 colonos em Gaza foi muito dolorosa, e a justificação era que contribuísse para a paz e o desenvolvimento de Gaza. Mas Gaza tornou-se uma base para o Irão lançar mísseis para Israel, e há o receio de que isto se estenda à Cisjordânia.”

Se Obama, a Europa e o Plano de Paz Saudita se juntarem, “podem mudar esta amosfera e Lieberman será diminuído”, crê Ezrahi.

E entretanto, nas eleições de hoje?

Nem o trabalhista Barak excluiu uma coligação com Lieberman, e para Bibi e Livni o “russo” seria parceiro de peso. Nisso, Bibi está em vantagem, escreveu Yossi Verter no “Ha’aretz”, porque pode oferecer mais. Livni está disposta a dar a Lieberman casamento civil e mudanças no sistema eleitoral? Bibi também. Livni quer Lieberman na coligação? Então perde a esquerda que se recusa a trabalhar com ele, o Meretz e os árabes. Em suma, Bibi pode ter mais facilidade numa coligação estável.

E quanto aos trabalhistas? “Será difícil entrarem em coligação com Lieberman, porque há demasiados ministros que se revoltariam”, pensa Ezrahi. Como a actual responsável pela Educação, Yuli Tamir, que chama “imorais” às propostas de Lieberman para os árabes israelitas (“sem lealdade não há cidadania”).

“A diferença entre Bibi e Livni é que Livni precisará de Netanyahu para ter um governo estável mas terá que pagar um preço aos árabes moderados e aos Estados Unidos. E Bibi precisa de Livni para equilibrar o centro entre Lieberman e o Shas.” Se ganhar Bibi, “será um governo com a tónica nas ameaças de guerra”. Se ganhar Livni, “será um governo com a tónica nas oportunidades de paz”.

E é possível que Lieberman possa ser um aliado de Livni numa solução dois estados. “Ele só se quer ver livres dos árabes, e não se importa que haja dois estados”, resume Menahem Hofnung, outro politólogo da Universidade de Jerusalém. “Essa é uma grande diferença em relação à direita tradicional. Lieberman pode mesmo devolver territórios de 1948 por não querer os árabes neste país.”

O "puzzle" da indecisão em Israel

Os israelitas votam hoje. Bibi ou Livni? Uma coligação à direita, à esquerda ou de unidade? Lieberman, o fenómeno, pode decidir. Viagem por uma sociedade farta do conflito com os palestinianos, e que em relação a quase tudo o resto tem mil opiniões.

Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém

1. Knesset, o Parlamento

Aqui a História tem 60 anos e está neste corredor.
1949: Haim e Vera Weizmann, casal presidencial, a caminho da primeira sessão do parlamento. 1956: Ben Gurion no restaurante do edifício antigo, com os cabelos brancos sempre em pé. 1957: Ben Gurion levado de maca, depois de um doente mental ter atirado uma granada para o plenário. 1970: Golda Meir, a olhar da escuridão, temível, com um cigarro. 1977: Menahem Begin a sorrir depois de ter derrotado 30 anos de trabalhistas. 1978: Moshe Dayan, o mítico general da pala, conversa com Weizmann. 1980: militantes na bancada do público, com uma letra na t-shirt a formar o nome Paz Agora. 1980: Sadat a sussurrar ao ouvido de Begin, após o acordo israelo-egípcio.
Foi a última paz.
Depois, deputados e ministros sucederam-se neste corredor, a caminho do plenário, mas Israel nunca conseguiu sair da guerra.
“Conhece as tapeçarias?”, pergunta Giora Pordes, um sósia de António Lobo Antunes que há muito é assessor de imprensa no Knesset e está a fazer uma visita guiada ao Público.
Estuga o passo no chão de mármore que 50 mil pessoas por ano atravessam em visita, até ao átrio de Marc Chagall. Aí está o imenso tríptico de tapeçarias concebido como uma paisagem com múltiplas cenas bíblicas, gente, animais e plantas, um ano antes da guerra dos Seis Dias. No corredor das fotografias a preto-e-branco que contam a história, também lá está essa, Chagall com Golda Meir diante das tapeçarias em 1966, ele a rir, ela de mão na boca, do espanto.
Continuando, chega-se ao edifício novo, onde agora funcionam as comissões e neste momento há dezenas de jovens agarrados a papéis, muitos deles religiosos, com “kipas”. “Estamos a treiná-los para a contagem dos votos dos diplomatas e dos soldados, que vai ser feita aqui”, explica Pordes.
Mas o centro de tudo é o plenário, deserto há meses, a aguardar os novos habitantes. Inaugurado em 1967, continua a ser uma típica sala dos anos sessenta, em ocre e castanho, com uma parede em pedra esculpida, cadeiras de couro, mesas de linhas rectas.
O semicírculo central, 24 cadeiras, é para o governo. “É maior do que o costume, por causa da coligação”, explica Pordes. Da eleição de hoje é muito provável que resulte um governo igualmente grande, por causa da coligação.
Depois, de frente para a bancada de imprensa ficam os deputados do(s) partidos(s) do governo, e de costas, a oposição.
Aqui fazem-se as leis de Israel, e é cada uma destas 120 cadeiras que hoje está a ser disputada por um país indeciso (entre 15 a 30 por cento) e farto do conflito com os palestinianos.

2. Kotel, o Templo

Aqui a História tem 3000 anos e está neste muro.
Primeiro, Salomão construiu o Templo, que os babilónios destruíram. Depois Herodes construiu o Segundo Templo, que foi destruído pelos romanos. Resta um muro, dito das Lamentações, ou Ocidental. Os judeus chamam-lhe normalmente Kotel, ou seja, Templo. A qualquer hora aqui estão, virados para o muro, a rezar, inclinando o corpo para a frente repetidamente, os homens, à esquerda (a maior parte do muro), as mulheres, à direita.
E a qualquer hora há soldados, porque todos os israelitas, com excepção de ultra-ortodoxos e árabes, são chamados para a tropa.
Neste momento, fora das muralhas da Cidade Velha, centenas de jovens cadetes esperam, com as suas fardas da Marinha, enquanto cá dentro, diante do muro, centenas de jovens soldados rezam, de arma automática virada para a frente e apontada para o chão.
Isto é Israel.
Maor, 23 anos, já rezou e observa os soldados. Tem aquela kipa preta de veludo que é sinal dos sefarditas ultra-ortodoxos. E confirma-se: sempre votou Shas, o partido dos sefarditas ultra-ortodoxos, e vai votar Shas hoje. “Agora os governos apoiam menos os religiosos, querem dar o resto aos árabes e a gente que não merece viver neste país. É como o Obama, dizem que apoiam Israel, mas só querem que as pessoas votem neles.” Obama? “É um árabe, olhe para o nome dele. Não se pode confiar nos árabes. Só nos querem matar, e matar, e matar.”
É por isso que Maor acredita na paz, mas não acredita na paz com os árabes. “Tem que se correr com eles.” Para onde? “Não interessa. O que foi feito em Gaza devia ser feito na Cisjordânia até não haver nem mais um árabe em Israel. Massacrá-los todos, como nos massacraram.” O Shas diz isso? “Não, o Shas não o diz. Mas é o que eu acho.”
Já o rabino Yecheil Gvra, que vem de rezar, com as suas barbas brancas, podia sentar-se “com um sheikh a falar” e entendiam-se. “Não temos problemas, somos ambos religiosos. Nós crescemos com os árabes, e podemos viver com eles.” Mas só pode haver um país. “Porque duas pessoas não se sentam na mesma cadeira. Podemos viver com os árabes desde que lhes expliquemos que esta é a terra que deixámos há 2000 anos e nos está prometida. É muito simples, faça as contas. Quantos anos tem este muro? 3000 anos. E quantos anos tem o islão? 1400. Está a ver? Os muçulmanos podem ficar, mas aqui é o clube dos judeus.”

3. Mount Scopus, a universidade

Aqui a história é o futuro.
Michal já foi soldado, como os seus colegas. Agora, aos 27 anos, doutoranda de árabe clássico, está no meio de Jerusalém Oriental, mas num enclave judaico desde a guerra de 1948, a Universidade Hebraica, no Monte Scopus.
E à entrada da Faculdade de Ciências Sociais olha para grande quadro com o resultado das eleições israelitas antecipadas entre os estudantes. Vencedor? A esquerda moderada do Meretz, com 27 lugares. Depois, Likud 18, Verdes 16, Trabalhistas 14, Kadima 12, Religiosos 10, Lieberman 9, religiosos de extrema-direita 8, comunistas do Hadash 6.
“Que bom, a maior parte dos estudantes ainda sente uma responsabilidade humana por outras pessoas”, diz, a sorrir, melancólica. “Isto reflecte uma realidade alternativa na qual eu gostava de viver.” Vai votar Meretz, partido que apoiou a guerra, mas só de início.
Os pais de Michal, em Beersheva, sul de Israel, estiveram ao alcance de “rockets” e ela inquietou-se. Não esteve contra a guerra no começo, mas depois sim.
Nestas eleições dominadas pelo pós-guerra, com a direita de Bibi Netanyhau e o centro-direita de Tzipi Livni quase empatados, e a extrema-direita como fiel da balança, qual é a coisa mais importante em jogo para Michal? “A consciência da sociedade israelita, no sentido da paciência e da humanidade”, diz, depois de pensar. “Não acho que sejamos menos humanos que os outros, mas por estarmos nestas circunstâncias temos que nos examinar todos os dias.”

Feb 9, 2009

O "óptimo vizinho" perde em casa por não ser religioso

Estamos numa guerra mundial entre Ocidente e islão e o casamento civil será o fim de Israel, ouve-se dizer entre os vizinhos de Lieberman
Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, em Nokdim

Lieberman não está, e a sr.ª Lieberman também não. Junto ao portão, há uma guarita com um guarda e uma frondosa árvore. As janelas do primeiro andar estão abertas. Não é uma mansão e não é uma casinha. É uma ampla casa de dois pisos, toda em pedra, aquela pedra de Jerusalém, ocre, branca ou rosa consoante a luz.

Mas isto não é Jerusalém, é o deserto da Judeia, 15 quilómetros para sul. Colinas áridas até onde o olhar alcança, com um soberbo monte em forma de vulcão. Os palestinianos aqui à volta chamam-lhe Montanha do Paraíso. Mas para os colonos é Herodium, a fortaleza-palácio do Rei Herodes.

E portanto, todos os dias Avigdor Lieberman - líder da extrema-direita, estrela das eleições, omnipresente nas campanhas de todos os partidos - sai de sua casa, passa o parque infantil, a amendoeira em flor, a velha caravana estacionada no passeio e as casas de três-quatro divisões dos vizinhos.

Quando chega à cancela de ferro com arame farpado que marca a entrada do colonato, o guarda armado há-de acenar-lhe como a todos os colonos, e então o carro pode acelerar na nova estrada que o Governo israelita construiu, ao longo desta cinematográfica paisagem, com colonatos à direita e à esquerda.

As crianças, todas as crianças
Depois, os minaretes palestinianos, as mulheres de lenço na berma, o checkpoint onde os soldados acenam aos colonos, e em 15 minutos Lieberman chegou a Jerusalém.

Orli e Joseph Boauniche lembram-se de quando ainda não havia a nova estrada, e as famílias de Nokdim - este pequeno colonato da Cisjordânia - viviam em pré-fabricados. São vizinhos de Liberman, três casas à frente.

"Ele chegou antes de nós, é quase um fundador, viveu cinco ou seis anos em caravanas", diz Orli, parisiense mignone e morena, 49 anos. O marido, Joseph, tem 43, e usa a cabeça rapada, com uma kipa. Ela é pintora autodidacta, ele é informático em Jerusalém. Têm cinco filhos.

O normal aqui é "entre quatro e sete filhos", diz Orli. O site de Nokdim abre com a paisagem de Herodium e depois o sal da vida comunitária, crianças, a rir, abraçadas, com pequenas kipas.
A palavra Cisjordânia nunca aparece no site - os colonos dizem "Judeia e Samaria". A palavra colonato também não - os colonos dizem yishuv, uma comunidade judia que se instala na terra de Israel.

Esta instalou-se em 1982, mas só 11 anos depois o Governo autorizou a construção permanente. Muitos colonatos começam "selvagens" e tornam-se "oficiais".

"O yishuv é um protocolo de vida", diz Joseph, que tem um discurso articulado de Churchill a Malraux. "As famílias correspondem a um perfil, querem ter filhos, viver em comunidade e participar no desenvolvimento da região."

Ou seja, no desenvolvimento de Israel na região.

"É como um kibbutz ou um moshav, mas sem um fim agrícola ou industrial comum." Cada uma das 170 famílias tem o seu ganha-pão, em Telavive ou em Jerusalém - muitos informáticos, bancários, professores. E organizam-se em conjunto para educação, saúde, transportes. Em Nokdim há jardins infantis até aos cinco anos, dois médicos residentes e uma ambulância permanente. Nos colonatos da região, maiores, há clínicas, liceus e escolas primárias, e um autocarro que vai buscar as crianças.

Depois, a companhia nacional de autocarros, a Egged, tem uma linha directa oito vezes por dia de Jerusalém para Nokdim. Há cidades árabes israelitas 500 vezes maiores sem um só autocarro directo.

A salvação de Israel
Entre a Cisjordânia e Jerusalém Leste, os colonos israelitas rondam meio milhão. Um terço serão ultra-ortodoxos, um terço religiosos, um terço laicos.

Nokdim é metade religioso, metade laico. Tem uma boa percentagem de russófonos como Lieberman, e judeus vindos de "França, Espanha, Japão, Inglaterra, América, Argentina...", descrevem Orli e Joseph.

A porta deles não está trancada, os vizinhos ajudam-se e visitam-se, partilham shabats e bar mitzvahs, fazem excursões, programam concertos. E vivem numa espécie de constante afirmação política.

"Se o ideal sionista existe, é num yishuv", resume Joseph. "A vontade de estar numa terra que nos pertence há milhares de anos. Há uma americanização, que faz com que o ideal sionista se perca. O yishuvismo é a resposta moderna ao sionismo antigo."

Mais, esta gente vai ser a sobrevivência de Israel: "O mundo que nos rodeia é completamente muçulmano e a maioria vai para um islão radical. E cercado por este mundo Israel não pode funcionar num esquema laico pragmático. Não é como Portugal. O yeshuv vem dizer que podemos ser democráticos sem sermos passivos, que podemos aspirar à paz sem complexos de nos prepararmos para a guerra."

Joseph acha, aliás, que já estamos na terceira guerra mundial, Ocidente-islão.

"O mundo olha para Jerusalém à espera do que vamos fazer", diz Orli. "Temos o objectivo supremo..." Joseph completa: "... da Humanidade! E não podemos fazer isso sem a religião, sem a Torah."

É por isso que Lieberman, um laico, não terá o voto deste casal. Vão votar num partido religioso sionista. Quase iam votar nele, aprovam as propostas de mão nos árabes, mais poder para a polícia, menos poder para o Supremo Tribunal, mas Lieberman quer introduzir o casamento civil em Israel e isso, não. Em Israel só existe casamento religioso, o que significa que um judeu necessariamente só casa com uma judia.

"O casamento civil é a assimilação", explica Orli. "E se começarmos assim vamos ser comidos pelos muçulmanos. Já não teríamos razão de ter um país, podíamos partir para a Austrália."

Sai para mostrar Nokdim (não há um café, há baloiços e escorregas, a nova biblioteca está em construção). E a propósito de vizinhança, quanto a Lieberman, diz o que outros daqui confirmam: "É um óptimo vizinho, com grande sentido de comunidade. A mulher dele é tradicional, a filha é religiosa. São uma grande família, com uma bela educação.

(publicado em 9 de Fevereiro na edição impressa do Público)

Feb 8, 2009

O mundo "devia isolar um governo que incluísse Lieberman"

Ahmad Tibi, o líder dos árabes israelitas, no Knesset
(Jim Hollander/Reuters)

"Há um fascismo crescente em Israel", diz ao PÚBLICO Ahmad Tibi. Do lado árabe da campanha, ele afirma que só no voto há igualdade
Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, em Taybeh

Nas campanhas, no exército, na escola ou no almoço de shabat, toda a gente em Israel fala de Avigdor Lieberman, o "russo" (na verdade, moldavo) que trepou nas sondagens até ao terceiro lugar.

E de quem é que fala Lieberman?

Deste homem carregado em ombros num salão com centenas de apoiantes. Tem um cachecol palestiniano, chama-se Ahmad Tibi e lidera os árabes israelitas que votam nas eleições de dia 10. É sexta-feira à noite, e isto passa-se em Taybeh, uma cidadezinha árabe no centro do país.

O estilo da campanha israelita não é de ajuntamentos. Grandes partidos como o Kadima só comunicam na véspera o que se vai passar, por "razões de segurança", e as acções podem ir de reuniões em hotéis a passeios de jovens. Não se avizinham grandes comícios, nem parece haver muita energia de campanha na rua.

Mas em torno de Lieberman há entusiasmo, e não é só a comunidade russófona (mais de um milhão), nem só desiludidos da direita tradicional, veteranos do exército ou colonos (como o próprio Lieberman, que vive num pequeno colonato na Cisjordânia).

Nos liceus de Israel fez-se uma espécie de inquérito - sem valor de sondagem, como indicação - e Lieberman era o político mais popular. Quando andou em campanha pela Galileia - uma zona com várias povoações árabes - adolescentes gritavam: "Morte aos árabes!"

O ponto-chave de Lieberman é "Sem lealdade não há cidadania" - os árabes de Israel que se recusem assinar lealdade com o Estado perdem direitos, como o de votar. Quis impedir os partidos árabes de concorrerem às eleições, mas o Supremo Tribunal recusou. Aqueles que se manifestaram contra a guerra de Gaza foram acusados de traição. E Tibi é visto como um líder dos traidores.

Então aqui está Ahmad Tibi, 50 anos, ginecologista de formação, deputado desde 1999 e vice-presidente do Knesset (parlamento).

A sua terra natal é esta cidadezinha, Taybeh, mais feia do que qualquer cidade dos territórios ocupados. Não é fácil chegar lá de transportes públicos. Como acontece com as povoações árabes israelitas em geral, não há transporte directo. Apanha-se um autocarro até à povoação judaica mais próxima, e aí há táxis colectivos onde viajam os árabes israelitas.

Árabes israelitas são os palestinianos que não deixaram ou não foram forçados a deixar as casas em 1948, quando Israel foi fundado. Hoje são mais de um milhão, 20 por cento da população.
Além dos transportes, queixam-se de discriminação em geral, num país definido como Estado judaico.

Racismo é parte do sistema
O salão de Taybeh está a encher. A grande maioria são homens. As mulheres estão juntas, com as crianças, à esquerda. Muitas têm a cabeça coberta. Taybeh é mais tradicional do que Jaffa ou outras cidades mistas.

Daqui a pouco Tibi vai entrar e ser levantado em ombros, mas por enquanto espera no andar de baixo.

"Há um fascismo crescente em Israel", diz, quando o PÚBLICO lhe pergunta como vê Lieberman. "A guerra de Gaza foi usada para encorajar este ódio antiárabe. O racismo já era o mainstream, mas agora é parte do sistema político. Lieberman é o equivalente a [Joerg] Haider ou [Jean-Marie] Le Pen, com uma diferença: aqui um imigrante fascista dirige os seus ódios contra pessoas indígenas."

Tibi tem uma mensagem para fora: "A comunidade internacional, que isolou o Governo austríaco por causa de Haider, deveria isolar qualquer governo israelita que incluísse Lieberman." E os israelitas, diz, deviam olhar para dentro. "Nós não temos medo dele, desprezamo-lo. A maioria judia é que devia ter medo dele, pensar porque é que esta planta cresceu."

Qual é a resposta de Tibi? "A situação estava madura na sociedade israelita, porque qualquer sentimento antiárabe é imediatamente explicado como autodefesa e não como racismo."
Em Israel, diz, "houve discriminação dos árabes em cada governo", mas tem piorado. Exemplos? "As primeiras 20 povoações em Israel com mais desemprego são todas árabes."

Isto, somado à guerra de Gaza, levou partidos árabes como o Balad, de Azmir Bishara - que está fora do país, acusado de espionagem durante a guerra do Líbano de 2006 -, a boicotar as eleições.

"Compreendo a frustração", diz Tibi. "Mas ficar em casa é um tiro na perna. É isso que Lieberman sonha, que os árabes não sejam parte do processo de decisão, ter o parlamento sem árabes como prefácio a ter o país sem árabes. Mandela e os negros na África do Sul lutaram, foram mortos e presos por pedirem o direito de votar. Porquê prescindirmos de um direito que já temos? Em Israel há discriminação nos fundos, na agricultura, na indústria, nas infra-estruturas, na terra, na absorção de académicos. Não há igualdade em campo nenhum a não ser esse: um homem, um voto. A liderança árabe no Knesset é a cobertura para proteger a minoria árabe. Em nenhum caso essa minoria deve ser deixada sem liderança política, parlamentar."

Continuar em Israel
Entre os árabes israelitas há quem defenda um só Estado, com judeus e árabes. Tibi defende dois Estados. "Lutamos para que a minoria árabe seja reconhecida, para acabar com o fosso entre judeus e árabes, com a ocupação nos territórios palestinianos, e para implementar a visão dos dois Estados baseada nas fronteiras de 1967."

Em Israel, há árabes que se definem simplesmente como árabes e outros como palestinianos.
E Tibi? "Sou um árabe palestiniano de Israel. Na personalidade de cada árabe neste país há dois elementos. Um é nacional, somos palestinianos árabes. O outro é cívico, somos cidadãos israelitas. E queremos desenvolver ambos de forma paralela, não contraditória."

Se houver um Estado palestiniano, onde ficaria Taybeh? "Somos cidadãos de Israel, continuaríamos a ser. Quando pedimos um Estado palestiniano independente, não é para sermos transferidos para lá, mas como autodeterminação do povo na Cisjordânia e em Gaza."

Às oito da noite a sala está cheia. Tibi entra com bandeiras e ao som do hino que apela a levantar o kaffiyeh, o lenço palestiniano. Nos discursos, Lieberman é o nome mais citado. Quando chega a sua vez, Tibi diz: "Esta terra é a nossa terra, nascemos aqui e ficaremos aqui, quer vocês queiram, quer não."

(publicado em 8 de Fevereiro na edição impressa do Público)

Feb 7, 2009

Sangue novo na queda trabalhista

Israel precisa de pais e os trabalhistas são os avós. Estão em quarto nas sondagens. O senso comum andou para a direita e acha que a guerra foi pouco
Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, em Telavive

Erez Abu tem um nariz de borracha comprido e arrebitado. “É o nariz do Bibinóquio”, diz ele, em frente à sede de Bibi Netanyahu, em Telavive. A rua está cheia de bicicletas, gente a fazer “jogging” e às compras para o jantar de Shabat, porque é sexta-feira de manhã e faz um sol esplêndido.

Os camaradas de Erez vão dando cartões a quem passa. O cartão tem a cara de Netanyahu metida num Pinóquio do Walt Disney, e por baixo diz: “Bibinóquio bem amado, vem contar-nos histórias.”

Um dos camaradas faz de Bibinóquio, com máscara, megafone e uma etiqueta a dizer “Ricos” no peito, enquanto brada: “É preciso salvar os ricos!”

Do outro lado da rua, o quartel-general do Likud mantém-se impávido, sem sinais de vida.
“Netanyahu é alguém em que não se pode confiar, e estamos aqui a contar todos os disparates que ele conta”, explica Erez, 26 anos, coordenador de campanha da Juventude Trabalhista e ex-conselheiro de Ehud Barak, líder do partido, actual ministro da Defesa.

O Partido Trabalhista é uma instituição centenária. Os seus líderes fundaram o Estado de Israel e durante 30 anos estiveram no poder. E a partir do momento em que a direita – o Likud de Menahem Begin – conquistou o poder em 1977, os trabalhistas entraram em queda, com altos e baixos.

Em 2005, quando Sharon saiu do Likud para formar o Kadima, uma parte dos trabalhistas, a começar por Shimon Peres, mudou-se para o novo partido.

E estas eleições são um momento particularmente baixo para os trabalhistas. Na última sondagem antes das eleições publicada ontem pelo diário “Ha’aretz”, continuavam claramente em quarto lugar (Likud 27, Kadima 25, Yisrael Beytenu 18, Labour 14).

Como é que o partido dos pais fundadores chegou a uma decadência tal que está quatro lugares atrás da extrema-direita de Avigdor Lieberman?

“As pessoas estão a punir-nos por durante muito tempo o partido não ter acreditado em si próprio e por se ter juntado a toda a gente em coligações”, diz Erez. “Mas espero que percebam que este partido é muito importante para a democracia. Se não for segundo ou terceiro, é um perigo, porque o Kadima e o Likud são quase o mesmo, e desaparece a alternativa.” Esta campanha, diz Erez, é uma nova tentativa dos trabalhistas.

Mas as tensões internas continuam. Barak disse que não excluía uma coligação com Lieberman. Vários membros do partido, como a ministra da Educação, Yuli Tamir, são contra.

E a juventude trabalhista está com eles. “As ideias de Lieberman são assustadoras. Vemo-lo como um fenómeno social perigoso, e temos que o parar. Dar legitimidade a um político destes será o caminho para ele ser o próximo primeiro-ministro.”

O recém-chegado
Apesar da queda, os trabalhistas ganharam há seis meses um reforço, Daniel Bensimon, nome conhecido da imprensa. “Eu era um jornalista frustrado”, diz. “Achava que tinha o poder de mudar a realidade e concluí que os jornalistas influenciam, mas o poder está nos políticos, por isso decidir dar o salto.” A pensar na liderança? “Seria presunçoso dizer isso. Sou o novo tipo na cidade, a tentar encontrar o seu lugar num partido muito complicado. Pergunte-me daqui a dois ou três anos.”

Como explica a decadência trabalhista? “Este partido existe há 100 anos, criou um país e está a ficar cansado. Há a ideia de que o país precisa de novos pais, e os trabalhistas são vistos como os avós.” E se se confirmar o quarto lugar? “Será sinal de que nada mudou. De que precisamos de uma nova agenda e de uma nova liderança.”

Que faria Bensimon quanto a uma coligação com Lieberman? “Sou contra.” Discorda, pois, de Barak. “Barak é Barak e Bensimon é Bensimon. Os trabalhistas nunca foram totalitários. Pode encontrar-se de tudo no partido.”

Esse parece ser, justamente, um dos problemas.

De volta ao protesto da juventude trabalhista, Erez avalia Bensimon: “Tem os traços de um líder, é muito carismático, as pessoas simplesmente se rendem ao seu charme. Mas precisa de muita experiência.” É o que outros votantes tradicionais também acham.

Guerra pouco brutal
“Barak é visto como um bom ministro da Defesa, e as pessoas querem que ele continue no posto, mas não que seja primeiro-ministro”, diz Uzi Benziman, colunista do “Ma’ariv”. “Talvez se lembrem de como ele foi incompetente como primeiro-ministro.”

Há uma imagem de duro associada a Barak, e a sua actuação na Defesa, durante a guerra de Gaza, fortaleceu essa imagem. Mas ao mesmo tempo a guerra levou os israelitas para a direita. A sensação comum é que Israel está cercado: de um lado o Hamas em Gaza, por cima o Hezzbollah do Líbano, e acima de tudo isto o inimigo-mor, o Irão, apostado em destruir o Estado judaico.

Este clima é tão forte que não só a guerra de Gaza foi muito popular como, alerta Benziman, muita gente acha que podia ter sido mais dura. “Duas ou três semanas depois, as pessoas estão desapontadas por não se terem partido os ossos ao Hamas, por não se ter resolvido o problema. O senso comum é que devíamos ter sido mais brutais.”

Isso enfraquece toda a esquerda, incluindo os trabalhistas, e fortalece um fenómeno como Lieberman. “As pessoas estão fartas. A forma como vêem o conflito é assim: “Saímos de Gaza e do Líbano e o Hamas e o Hezzbolah continuam a ser uma ameaça, nós somos os bons tipos e olha a recompensa.”

Este analista acha que Likud e Kadima terão só uns três ou quatro lugares de diferença. “Nenhum será suficientemente forte e terão que ficar dependentes dos outros.” Que outros? “Se Bibi ganhar, creio que se virará para Barak e talvez também para o Kadima.” Portanto, os trabalhistas poderão manter-se no governo.

Netanyahu disse que ofereceria um ministério “importante” a Lieberman. “É possível. Mas ninguém sabe se Lieberman se manterá na política depois das eleições. Está a ser investigado criminalmente.” E se acontecer que Lieberman seja preso por corrupção? “Aquele partido tem 18 lugares nas sondagens e ninguém sabe quem são os outros candidatos.”

(publicado em 7 de Fevereiro na edição impressa do Público)

Feb 6, 2009

As meninas




Crónica

Houve correio em Gaza. No dia a seguir a eu ter escrito que não havia, Ayman recebeu uma carta da Al Jazeera. Ficou a olhar para o envelope. No ano passado, Lulu tinha enviado um email à Al Jazeera Crianças, com a sua morada (Al Zahra City, prédio tal, 6º andar, Gaza) e lá do Qatar eles enviaram-lhe um postal de Ramadão a 3 de Agosto de 2008. É verdade que demorou seis meses, mas há 10 anos que Ayman não vê correio em Gaza.

É a idade de Lulu, a mais velha das meninas.

Fiquei a matutar. As fronteiras de Gaza mantêm-se fechadas, e não circulam carteiros de emergência entre os destroços de 20 mil casas. Como terá chegado a carta?

Ayman recebeu-a do merceeiro ao lado da farmácia. Alguém a entregou, sabendo que a família do 6º andar lá passaria. Mas quem?

A Al Jazeera tem os seus meios, diz Ayman, que acha que a carta veio por um dos túneis que ligam Gaza ao Egipto, onde os palestinianos rastejam centenas de metros para trazer tudo o que falta.

Claro que muitas coisas não há meio de caberem nos túneis, como Ayman ir ver a tia a Beersheva, Heba ir ver a prima ao Canadá, ou parques como Lulu, Mimi e Nunu vêem na televisão.

Nunca ouvi as meninas a chorar e não as imagino a fazer uma birra.

Em Agosto de 2005, quando os colonos saíram de Gaza, Lulu mostrou-me o seu primeiro caderno de inglês ao som daquele poc-poc-poc, que parece pipocas e são tiros. Em Junho de 2006, quando os F16 cortavam a barreira do som todas as noites, o que é como se a cabeça explodisse, e depois começaram a largar bombas, as meninas saltavam à corda na sala iluminada a gás. Em Junho de 2007, quando o Hamas tomou o poder após um combate com a Fatah que fez mais de 100 mortos, Lulu, Mimi e Nunu encavalitaram-se no sofá para mostrar as fotografias do casamento dos pais, e antes, e depois.

Voltámos às fotografias agora, e lá estava Ayman, bolseiro de Farmácia nas Filipinas, lá está Heba, de longos cabelos brilhantes, as meninas bebés, pestanudas, Lulu e Mimi cheias de caracóis, como o pai. E agora Nunu, a pequenina, já tem sete anos e menos dois dentes à frente. Como estão os teus túneis?, pergunta-lhe Ayman. E ela ri, e esconde-se no pescoço dele.

As meninas dormem em duas camas encostadas como se fosse uma grande. De manhã só se acham prontas depois dos caracóis estaram bem puxados para trás, e com uma fita.

Quando vêm ter com os pais, ficam com um braço à volta deles, ou meio sentadas no colo. Numa das noites em que não havia luz, estavam a brincar no patamar do vizinho que tem gerador. Em Al Zahra City, quem tem água oferece água, quem tem gerador oferece luz. Havia dezenas de meninos. Nunu, com os seus olhos de chinesa a rir, tomava conta de um ainda com fraldas.

Andam as três ansiosas por um irmãozinho. Os pais estão a tentar. Até tentaram na guerra. Uma das coisas que Ayman descobriu na guerra é que Heba não tem medo de morrer. Os tanques a dispararem e ela a estender roupa. Toda a gente colada ao chão e ela a arrumar a casa. Chegou o dia de tentar e qual guerra.

Quando lá estive, depois da guerra, as meninas saíam para a escola de manhã e eu saía com Ayman. Heba passou dias a inventar bordados da Palestina. Borda tão bem como cozinha, mesmo num pequeno fogareiro, mesmo à luz de um candeeiro a gás, compotas ou frango com sementes de sésamo. As meninas ajudam sempre.

viagenscombolso@gmail.com

O terceiro lugar nas eleições ainda não é certo

Análise

Alexandra Lucas Coelho, Ashdod

As sondagens dão o Likud em primeiro, o Kadima em segundo, a curta distância, e o Yisrael Beytanu, de Avigdor Lieberman, em terceiro. Só depois vem o Partido Trabalhista, que durante os primeiros 30 anos de Israel foi dominante.

É uma viragem à direita, acentuada pela guerra de Gaza. E um dos mais lidos analistas políticos, Nahum Barnea, do jornal Yedioth Aharonot, não tem dúvidas de que "Lieberman vai conseguir uma votação impressionante, sim", mas não é seguro que consiga o terceiro lugar.

"As sondagens são um problema em Israel", explica Barnea. "As pessoas estão cépticas, tão cínicas em relação à política que não se expõem. Militantes da Rússia dizem que ainda não decidiram ou então enganam. Tornou-se uma piada."

Este analista não confia nos números, confia na tendência. E a tendência é uma subida de Lieberman. "Se nas anteriores eleições ele já tinha conseguido os votos russos, agora está a conseguir jovens votantes nascidos em Israel, e soldados, veteranos, que tendem a ser mais à direita que o establishment. O Likud de Bibi é parte do establishment."

Mas Lieberman está também a conseguir votos tradicionais do Likud.

Ontem, Netanyahu declarou-se pronto a oferecer um ministério "importante" a Lieberman. Segundo o Yedioth Ahronot, Lieberman quereria a Defesa, o que não será provável.

Mas tudo isto são especulações muito à frente dos resultados.

Devido ao sistema eleitoral israelita, não haverá um governo "antes de meio de Março", ressalva Barnea.

Há duas batalhas. Uma está em curso, é a batalha pela vitória nas eleições. Outra será em torno dos vários cenários de coligação.

Barnea aponta 70 por cento de hipóteses de Bibi formar governo, contra 30 de Tzipi Livni. E resta em aberto que tipo de governo poderá Bibi formar. "Ele prefere um governo de unidade nacional a um governo de direita", diz Barnea. Não é uma questão ideológica, é pragmática. "Prefere aquele que seja mais forte."

O paizinho deles chama-se Avigdor Lieberman

Lieberman está a atrair também israelitas que não vieram da ex-URSS
Gali Tibbon/AFP

Ele vai ter mão nos árabes. Não lhes vai dar a mão. Não os vai deixar matar soldados de Israel. O líder da extrema-direita visto pelo seu povo
Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, Ashdod

A URSS não acabou. Isto é a URSS numa sala em Israel: Victoria, de 67 anos, de Murmansk. Ludmila, de 72, de São Petersburgo. Elisavieta, de 61, de Minsk. Ela, de 55, de Moscovo. Avraham, de 76, de Odessa. E na outra sala: Lvov, Nijninovgorod, Baku, Ekaterineburgo.

Quem são estas pessoas? Cidadãos de Israel. Chegaram quase todos entre 1991 e 2000, depois do império soviético cair. Que fazem nestas salas? Trabalham para Avigdor Lieberman, a avalanche da campanha israelita.
Lieberman também veio de lá, da URSS (da Moldova). Fala russo. Sabe falar com eles. E, sobretudo, depois da guerra de Gaza, já fala para muitos israelitas da direita tradicional, nascidos em Israel, que não sabem ler cirílico nem nunca comeram porco.

Aqui, em Ashdod - cidade à beira-mar, entre Telavive e Gaza -, cirílico é mato, e porco, já vão ver. Não é kosher, mas Ashdod não é uma cidade religiosa, pelo menos vista desta Praça da Cidade, reconhecível por um enorme bico de metal no meio. "À noite projecta um laser que cobre Ashdod e é maravilhoso", descreve Eli Nacht.

Quem é Eli Nacht? Um cavalheiro. Guiou o PÚBLICO pela campanha Lieberman em três línguas (hebraico, russo, inglês) e sem uma falha de etiqueta (deixar passar as senhoras, abrir-lhes a porta do carro, desculpar-se porque está sujo).

O carro reluzia de novo, e Eli reluzia num fato cinza, sapatos em bico, gel e barba desenhada. Aos 26 anos, advogado, a tirar um mestrado de Comunicação em Política, é um candidato do partido Yisreal Beytenu, de Lieberman, em terceiro nas sondagens, à frente dos trabalhistas. E também está nos cartazes, numa das salas de campanha, na Praça da Cidade.

Lá dentro, milhares de posters e ímanes Lieberman. E quatro mulheres mais do que avós, atarefadas. "Estão a telefonar para saber se as pessoas precisam que as vamos buscar no dia das eleições", explica Eli. "São voluntárias."

Por exemplo, Victoria e Ludmilla. "Lieberman é sólido", diz uma. "Nós queremos paz, mas não acreditamos nos árabes." E a outra: "Todas as nossas crianças têm medo deles." Uma diz mata: "Passámos por muitos governos, todos lhes deram a mão e fomos enganados." A outra diz esfola: "Não acredito nos árabes, sejam de Israel ou dos territórios."

Avigdor Lieberman tem uma ideia para os árabes de Israel (aqueles que já cá estavam em 1948, e não se viram forçados a deixar as suas casas). Ou assinam uma declaração de "lealdade" com o Estado judaico ou deixam de ter direitos.

Os árabes de Israel deviam deixar de ser israelitas? Vitória e Ludmilla acenam com a cabeça. "Da, kanieshna." Sim, claro.

Aqui toda a gente fala russo entre si. E mesmo Eli, que chegou a Israel quando tinha sete anos, fala russo com vários amigos da sua idade, porque sempre falou russo em casa, com os pais. "Lembro-me da guerra do Iraque, das bombas em Telavive, e os árabes a celebrar", continua Ludmilla. Para onde acham elas que os árabes de Israel deviam ir? "Há muitos países árabes."

Não é racismo, é sionismo
Eli, com as suas responsabilidades de candidato - e advogado - intervém, para que não fique uma impressão errada. "Se ler os jornais da esquerda, parece que Lieberman quer os árabes todos fora. Isso é errado. Ele só quer lidar com os que não são leais. É simples: as pessoas que vivem em Israel têm de querer viver em Israel. Não os queremos exilar. Só queremos que quando somos bombardeados eles não ajudem quem nos ataca. Isto não é racismo, é sionismo."

Mas não são só os jornais que põem Lieberman na extrema-direita. Do centro para a esquerda, este populista é abertamente visto como fascista ou racista. Ontem, o ministro da Educação, Yuli Tamir, um trabalhista, considerou "imorais" as posições de Lieberman sobre os árabes israelitas e pediu a Ehud Barak, líder do partido, que os trabalhistas não se coligassem com ele. Barak tinha dito que Lieberman não era a sua "chávena de chá" mas não excluía a coligação.

Aqui em Ashdod, o jovem Eli fala em nome da grandeza de Israel. "Nós não queremos que as pessoas sejam soldados a fazer continência. O nosso país tem 60 anos, e quando os países tinham 60 anos tinham escravos. Nós crescemos rápido, temos uma grande justiça e direitos humanos. O que não podemos é deixar que as pessoas no meio da guerra celebrem o Hamas, quando matam os nossos soldados, não só judeus também drusos."

O Exército é um bom exemplo. Eli teve um aneurisma aos 17 anos que lhe deixou metade do corpo paralisado. Recuperou com fisioterapia, mas a perna continua manca. "Voluntariei-me para o exército. Fui porta-voz e redactor do site. Queria ser como os outros. Se queremos ser parte deste país, essa é a nossa contribuição."

Eli lembra-se de ser pequeno na Ucrânia, e lhe baterem por ser judeu. Quando a URSS caiu, veio com os pais. Foi em 1991. Agora, acaba de voltar de um mês na Rússia, onde foi em negócios, pela primeira vez, e pela primeira vez sentiu "o que era ter uma casa como judeu", por causa do anti-semitismo. "Fui quase espancado por dois homens no comboio entre Moscovo e São Petersburgo, porque lhes disse que era de Israel. Quando aterrei em Israel, fiquei tão aliviado por não ter que ter medo de dizer a ninguém quem era, que me apeteceu ajoelhar e beijar o chão."

Fiambre para Bibi
No universo russófono há a ideia do paizinho do povo, e, visto de Ashdod, o paizinho do povo chama-se, pois, Avigdor Lieberman, aquele que terá mão nas ameaças a Israel e manterá a casa dos judeus, de todos os judeus, nascidos aqui ou acabados de chegar, por exemplo de Jitomir, a cidade ucraniana de Eli Nacht.

Na Praça da Cidade, com "quatro edifícios de 42 andares", orgulha-se Eli, este povo - laico, conservador, nacionalista - gosta menos de hummus, a pasta de grão tradicional do Médio Oriente, do que de fiambre. Basta andar uns passos até à charcutaria Coral, que tem letreiro em cirílico, a montra cheia de vodka e o expositor atulhado de salpicões, salsichas e fiambres, ao lado do peixe em conserva.

Quem compra porco, o animal sujo, não kosher? "Toda a gente", responde a empregada israelo--russa que esteve a cortar fatias de fiambre. "Muitos idosos, mas também jovens."

Uma jovem idosa, de cabelos branco-neve, está justamente a levar as fatias de fiambre embrulhadas. Chama-se Dina, e veio de Nijninovgorod em 1995. "Prove! Já provou? Isto não é uma loja kosher e eu não sou religiosa." Vai votar? "Claro!" Por quem? "Bibi, claro!"

Pois se em Jerusalém Lieberman anda a ocupar o ninho de Bibi, Bibi tem direito a pelo menos umas 250 gramas de fiambre em Ashdod.