Feb 6, 2009

O paizinho deles chama-se Avigdor Lieberman

Lieberman está a atrair também israelitas que não vieram da ex-URSS
Gali Tibbon/AFP

Ele vai ter mão nos árabes. Não lhes vai dar a mão. Não os vai deixar matar soldados de Israel. O líder da extrema-direita visto pelo seu povo
Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, Ashdod

A URSS não acabou. Isto é a URSS numa sala em Israel: Victoria, de 67 anos, de Murmansk. Ludmila, de 72, de São Petersburgo. Elisavieta, de 61, de Minsk. Ela, de 55, de Moscovo. Avraham, de 76, de Odessa. E na outra sala: Lvov, Nijninovgorod, Baku, Ekaterineburgo.

Quem são estas pessoas? Cidadãos de Israel. Chegaram quase todos entre 1991 e 2000, depois do império soviético cair. Que fazem nestas salas? Trabalham para Avigdor Lieberman, a avalanche da campanha israelita.
Lieberman também veio de lá, da URSS (da Moldova). Fala russo. Sabe falar com eles. E, sobretudo, depois da guerra de Gaza, já fala para muitos israelitas da direita tradicional, nascidos em Israel, que não sabem ler cirílico nem nunca comeram porco.

Aqui, em Ashdod - cidade à beira-mar, entre Telavive e Gaza -, cirílico é mato, e porco, já vão ver. Não é kosher, mas Ashdod não é uma cidade religiosa, pelo menos vista desta Praça da Cidade, reconhecível por um enorme bico de metal no meio. "À noite projecta um laser que cobre Ashdod e é maravilhoso", descreve Eli Nacht.

Quem é Eli Nacht? Um cavalheiro. Guiou o PÚBLICO pela campanha Lieberman em três línguas (hebraico, russo, inglês) e sem uma falha de etiqueta (deixar passar as senhoras, abrir-lhes a porta do carro, desculpar-se porque está sujo).

O carro reluzia de novo, e Eli reluzia num fato cinza, sapatos em bico, gel e barba desenhada. Aos 26 anos, advogado, a tirar um mestrado de Comunicação em Política, é um candidato do partido Yisreal Beytenu, de Lieberman, em terceiro nas sondagens, à frente dos trabalhistas. E também está nos cartazes, numa das salas de campanha, na Praça da Cidade.

Lá dentro, milhares de posters e ímanes Lieberman. E quatro mulheres mais do que avós, atarefadas. "Estão a telefonar para saber se as pessoas precisam que as vamos buscar no dia das eleições", explica Eli. "São voluntárias."

Por exemplo, Victoria e Ludmilla. "Lieberman é sólido", diz uma. "Nós queremos paz, mas não acreditamos nos árabes." E a outra: "Todas as nossas crianças têm medo deles." Uma diz mata: "Passámos por muitos governos, todos lhes deram a mão e fomos enganados." A outra diz esfola: "Não acredito nos árabes, sejam de Israel ou dos territórios."

Avigdor Lieberman tem uma ideia para os árabes de Israel (aqueles que já cá estavam em 1948, e não se viram forçados a deixar as suas casas). Ou assinam uma declaração de "lealdade" com o Estado judaico ou deixam de ter direitos.

Os árabes de Israel deviam deixar de ser israelitas? Vitória e Ludmilla acenam com a cabeça. "Da, kanieshna." Sim, claro.

Aqui toda a gente fala russo entre si. E mesmo Eli, que chegou a Israel quando tinha sete anos, fala russo com vários amigos da sua idade, porque sempre falou russo em casa, com os pais. "Lembro-me da guerra do Iraque, das bombas em Telavive, e os árabes a celebrar", continua Ludmilla. Para onde acham elas que os árabes de Israel deviam ir? "Há muitos países árabes."

Não é racismo, é sionismo
Eli, com as suas responsabilidades de candidato - e advogado - intervém, para que não fique uma impressão errada. "Se ler os jornais da esquerda, parece que Lieberman quer os árabes todos fora. Isso é errado. Ele só quer lidar com os que não são leais. É simples: as pessoas que vivem em Israel têm de querer viver em Israel. Não os queremos exilar. Só queremos que quando somos bombardeados eles não ajudem quem nos ataca. Isto não é racismo, é sionismo."

Mas não são só os jornais que põem Lieberman na extrema-direita. Do centro para a esquerda, este populista é abertamente visto como fascista ou racista. Ontem, o ministro da Educação, Yuli Tamir, um trabalhista, considerou "imorais" as posições de Lieberman sobre os árabes israelitas e pediu a Ehud Barak, líder do partido, que os trabalhistas não se coligassem com ele. Barak tinha dito que Lieberman não era a sua "chávena de chá" mas não excluía a coligação.

Aqui em Ashdod, o jovem Eli fala em nome da grandeza de Israel. "Nós não queremos que as pessoas sejam soldados a fazer continência. O nosso país tem 60 anos, e quando os países tinham 60 anos tinham escravos. Nós crescemos rápido, temos uma grande justiça e direitos humanos. O que não podemos é deixar que as pessoas no meio da guerra celebrem o Hamas, quando matam os nossos soldados, não só judeus também drusos."

O Exército é um bom exemplo. Eli teve um aneurisma aos 17 anos que lhe deixou metade do corpo paralisado. Recuperou com fisioterapia, mas a perna continua manca. "Voluntariei-me para o exército. Fui porta-voz e redactor do site. Queria ser como os outros. Se queremos ser parte deste país, essa é a nossa contribuição."

Eli lembra-se de ser pequeno na Ucrânia, e lhe baterem por ser judeu. Quando a URSS caiu, veio com os pais. Foi em 1991. Agora, acaba de voltar de um mês na Rússia, onde foi em negócios, pela primeira vez, e pela primeira vez sentiu "o que era ter uma casa como judeu", por causa do anti-semitismo. "Fui quase espancado por dois homens no comboio entre Moscovo e São Petersburgo, porque lhes disse que era de Israel. Quando aterrei em Israel, fiquei tão aliviado por não ter que ter medo de dizer a ninguém quem era, que me apeteceu ajoelhar e beijar o chão."

Fiambre para Bibi
No universo russófono há a ideia do paizinho do povo, e, visto de Ashdod, o paizinho do povo chama-se, pois, Avigdor Lieberman, aquele que terá mão nas ameaças a Israel e manterá a casa dos judeus, de todos os judeus, nascidos aqui ou acabados de chegar, por exemplo de Jitomir, a cidade ucraniana de Eli Nacht.

Na Praça da Cidade, com "quatro edifícios de 42 andares", orgulha-se Eli, este povo - laico, conservador, nacionalista - gosta menos de hummus, a pasta de grão tradicional do Médio Oriente, do que de fiambre. Basta andar uns passos até à charcutaria Coral, que tem letreiro em cirílico, a montra cheia de vodka e o expositor atulhado de salpicões, salsichas e fiambres, ao lado do peixe em conserva.

Quem compra porco, o animal sujo, não kosher? "Toda a gente", responde a empregada israelo--russa que esteve a cortar fatias de fiambre. "Muitos idosos, mas também jovens."

Uma jovem idosa, de cabelos branco-neve, está justamente a levar as fatias de fiambre embrulhadas. Chama-se Dina, e veio de Nijninovgorod em 1995. "Prove! Já provou? Isto não é uma loja kosher e eu não sou religiosa." Vai votar? "Claro!" Por quem? "Bibi, claro!"

Pois se em Jerusalém Lieberman anda a ocupar o ninho de Bibi, Bibi tem direito a pelo menos umas 250 gramas de fiambre em Ashdod.

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