Reportagem
Alexandra Lucas Coelho, em Erez
Israel recebe os jornalistas com uma mostra de “rockets” usados pelo Hamas.
No centro de imprensa em Jerusalém por onde os enviados têm de passar para ter o cartão que lhes permitirá, eventualmente, entrar em Gaza, há uma mesa cheia de metal amolgado e queimado, e por baixo um mapa com os kibbutzim e cidades israelitas ao alcance dos projécteis.
Depois, cada jornalista pode receber uma lista de contactos com autoridades locais em 25 lugares junto à fronteira com Gaza e uma outra lista com 13 porta-vozes governamentais e militares.
Ambas contêm números fixos e telemóveis, para garantir o acesso a estas fontes.
Em Sderot, a localidade israelita mais perto de Gaza, há todo um centro de imprensa montado, com reencaminhamento para famílias atingidas pelos envios do Hamas.
Na véspera de Israel declarar cessar fogo, o exército levou jornalistas em viagens-relâmpago a Gaza para ver locais em ruínas de onde estariam a ser lançados “rockets”.
E desde a declaração estão em marcha operações para a imprensa. Ontem alguns repórteres puderam acompanhar a visita do ministro israelita da Saúde à clínica para feridos de Gaza que o governo decidiu montar em Erez, o “checkpoint” que é uma fortaleza.
O que continua a ser impossível é a entrada geral de jornalistas, após semanas de bloqueio em que nenhum jornalista pôde entrar e ficar em Gaza.
Ao começo da tarde de domingo, o centro de imprensa tinha 650 jornalistas inscritos para entrar, e estava a aplicar a primeira “pool” de oito por dia.
Foi por volta dessa hora que o Hamas declarou o seu cessar fogo.
Da fronteira, as televisões que não faziam parte da “pool” dos primeiros-oito continuavam a fazer directos das colinas de Sderot, de onde se têm avistado os bombardeamentos sobre Gaza.
A espera
Entre Jerusalém e Gaza - uma hora e meia de caminho -, o domingo muda de Inverno para Primavera.
À medida que a fronteira se aproxima, vêem-se cada vez mais soldados nas paragens de autocarro e a pedir boleia em cruzamentos. Retirada “on the road”.
Pouco antes de Erez, resta apenas um guarda, além do “zeppelin” que regista tudo no céu.
O gigantesco terminal – primeira fase de passagem para Gaza, antes de túneis, portas de betão, e um longo território de ninguém – está deserto, com quatro ambulâncias da Magen David (Estrela de David Vermelha, equivalente à Cruz Vermelha), estacionadas à porta.
Para lá chegar há que transpor um posto de segurança com uma jovem militar, junto ao qual um homem de sobretudo e grande mala preta espera há horas.
“A minha mulher e os meus filhos estão dentro de Gaza”, explica. É um alto quadro da Autoridade Palestiniana, e pede que o seu nome não apareça. “Saí antes da guerra e até agora não pude voltar.”
Depois do cessar fogo coordenou a vinda com o lado de lá, mas não está a resultar. E entretanto a mulher telefona de Gaza mais uma vez, enquanto as quatro ambulâncias saem lentamente de Erez, uma a uma.
A mediática clínica foi montada num anexo do terminal. Dois grandes estandartes dizem: “Clínica médica regional do Estado de Israel para o povo de Gaza”.
Lá dentro, há várias salas ao longo de um corredor em L, com placas a dizer: “Farmácia”, “Laboratório”, Ginecologista”, “Pediatra”, e por aí fora, incluindo uma unidade de reanimação.
Cheira a pão, de vários sacos pousados à espera. Tudo tem um ar novo e limpo: macas, máquinas, medicamentos. Só não há doentes.
“O ministério da Saúde pediu-nos há dois dias que montássemos esta clínica”, explica Eilat Shinar, a hematologista da Magen David que está a dirigir as operações. A clínica conta com uma equipa de 30 pessoas, um terço dos quais médicos. Pode receber entre 100 e 150 doentes – hoje atendeu três. Estará aberta das 8h às 17h para “diagnosticar e tratar”. Os que precisem de hospital podem ir para Israel ou voltar para Gaza. E será fácil virem? “Podem vir depois de uma avaliação de segurança.” O governo prometeu que haveria lugar nos hospitais de Israel.
Mas até lá o sol põe-se e a clínica vai fechar.
Depois da primeira “pool”, faltam entrar uns 642 jornalistas, mas nem estão à vista. Daqui não se passa, e não se passa mais nada.
No posto de segurança, o alto quadro da Autoridade Palestiniana continua de pé, com o seu sobretudo e a sua grande mala preta. Até que subitamente um derradeiro telefonema lhe dá luz verde, e todo ele é um homem novo, eufórico, ao abrir a mala para a militar na guarita, que tem metade da idade dele.
Ao fim de três semanas de guerra vai voltar à família.
O que esta noite se diz em Gaza é que tudo está tão em silêncio que já ninguém sabe dormir assim.
(publicado a 19 de Janeiro na edição impressa do Público)
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