Feb 7, 2009

Sangue novo na queda trabalhista

Israel precisa de pais e os trabalhistas são os avós. Estão em quarto nas sondagens. O senso comum andou para a direita e acha que a guerra foi pouco
Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, em Telavive

Erez Abu tem um nariz de borracha comprido e arrebitado. “É o nariz do Bibinóquio”, diz ele, em frente à sede de Bibi Netanyahu, em Telavive. A rua está cheia de bicicletas, gente a fazer “jogging” e às compras para o jantar de Shabat, porque é sexta-feira de manhã e faz um sol esplêndido.

Os camaradas de Erez vão dando cartões a quem passa. O cartão tem a cara de Netanyahu metida num Pinóquio do Walt Disney, e por baixo diz: “Bibinóquio bem amado, vem contar-nos histórias.”

Um dos camaradas faz de Bibinóquio, com máscara, megafone e uma etiqueta a dizer “Ricos” no peito, enquanto brada: “É preciso salvar os ricos!”

Do outro lado da rua, o quartel-general do Likud mantém-se impávido, sem sinais de vida.
“Netanyahu é alguém em que não se pode confiar, e estamos aqui a contar todos os disparates que ele conta”, explica Erez, 26 anos, coordenador de campanha da Juventude Trabalhista e ex-conselheiro de Ehud Barak, líder do partido, actual ministro da Defesa.

O Partido Trabalhista é uma instituição centenária. Os seus líderes fundaram o Estado de Israel e durante 30 anos estiveram no poder. E a partir do momento em que a direita – o Likud de Menahem Begin – conquistou o poder em 1977, os trabalhistas entraram em queda, com altos e baixos.

Em 2005, quando Sharon saiu do Likud para formar o Kadima, uma parte dos trabalhistas, a começar por Shimon Peres, mudou-se para o novo partido.

E estas eleições são um momento particularmente baixo para os trabalhistas. Na última sondagem antes das eleições publicada ontem pelo diário “Ha’aretz”, continuavam claramente em quarto lugar (Likud 27, Kadima 25, Yisrael Beytenu 18, Labour 14).

Como é que o partido dos pais fundadores chegou a uma decadência tal que está quatro lugares atrás da extrema-direita de Avigdor Lieberman?

“As pessoas estão a punir-nos por durante muito tempo o partido não ter acreditado em si próprio e por se ter juntado a toda a gente em coligações”, diz Erez. “Mas espero que percebam que este partido é muito importante para a democracia. Se não for segundo ou terceiro, é um perigo, porque o Kadima e o Likud são quase o mesmo, e desaparece a alternativa.” Esta campanha, diz Erez, é uma nova tentativa dos trabalhistas.

Mas as tensões internas continuam. Barak disse que não excluía uma coligação com Lieberman. Vários membros do partido, como a ministra da Educação, Yuli Tamir, são contra.

E a juventude trabalhista está com eles. “As ideias de Lieberman são assustadoras. Vemo-lo como um fenómeno social perigoso, e temos que o parar. Dar legitimidade a um político destes será o caminho para ele ser o próximo primeiro-ministro.”

O recém-chegado
Apesar da queda, os trabalhistas ganharam há seis meses um reforço, Daniel Bensimon, nome conhecido da imprensa. “Eu era um jornalista frustrado”, diz. “Achava que tinha o poder de mudar a realidade e concluí que os jornalistas influenciam, mas o poder está nos políticos, por isso decidir dar o salto.” A pensar na liderança? “Seria presunçoso dizer isso. Sou o novo tipo na cidade, a tentar encontrar o seu lugar num partido muito complicado. Pergunte-me daqui a dois ou três anos.”

Como explica a decadência trabalhista? “Este partido existe há 100 anos, criou um país e está a ficar cansado. Há a ideia de que o país precisa de novos pais, e os trabalhistas são vistos como os avós.” E se se confirmar o quarto lugar? “Será sinal de que nada mudou. De que precisamos de uma nova agenda e de uma nova liderança.”

Que faria Bensimon quanto a uma coligação com Lieberman? “Sou contra.” Discorda, pois, de Barak. “Barak é Barak e Bensimon é Bensimon. Os trabalhistas nunca foram totalitários. Pode encontrar-se de tudo no partido.”

Esse parece ser, justamente, um dos problemas.

De volta ao protesto da juventude trabalhista, Erez avalia Bensimon: “Tem os traços de um líder, é muito carismático, as pessoas simplesmente se rendem ao seu charme. Mas precisa de muita experiência.” É o que outros votantes tradicionais também acham.

Guerra pouco brutal
“Barak é visto como um bom ministro da Defesa, e as pessoas querem que ele continue no posto, mas não que seja primeiro-ministro”, diz Uzi Benziman, colunista do “Ma’ariv”. “Talvez se lembrem de como ele foi incompetente como primeiro-ministro.”

Há uma imagem de duro associada a Barak, e a sua actuação na Defesa, durante a guerra de Gaza, fortaleceu essa imagem. Mas ao mesmo tempo a guerra levou os israelitas para a direita. A sensação comum é que Israel está cercado: de um lado o Hamas em Gaza, por cima o Hezzbollah do Líbano, e acima de tudo isto o inimigo-mor, o Irão, apostado em destruir o Estado judaico.

Este clima é tão forte que não só a guerra de Gaza foi muito popular como, alerta Benziman, muita gente acha que podia ter sido mais dura. “Duas ou três semanas depois, as pessoas estão desapontadas por não se terem partido os ossos ao Hamas, por não se ter resolvido o problema. O senso comum é que devíamos ter sido mais brutais.”

Isso enfraquece toda a esquerda, incluindo os trabalhistas, e fortalece um fenómeno como Lieberman. “As pessoas estão fartas. A forma como vêem o conflito é assim: “Saímos de Gaza e do Líbano e o Hamas e o Hezzbolah continuam a ser uma ameaça, nós somos os bons tipos e olha a recompensa.”

Este analista acha que Likud e Kadima terão só uns três ou quatro lugares de diferença. “Nenhum será suficientemente forte e terão que ficar dependentes dos outros.” Que outros? “Se Bibi ganhar, creio que se virará para Barak e talvez também para o Kadima.” Portanto, os trabalhistas poderão manter-se no governo.

Netanyahu disse que ofereceria um ministério “importante” a Lieberman. “É possível. Mas ninguém sabe se Lieberman se manterá na política depois das eleições. Está a ser investigado criminalmente.” E se acontecer que Lieberman seja preso por corrupção? “Aquele partido tem 18 lugares nas sondagens e ninguém sabe quem são os outros candidatos.”

(publicado em 7 de Fevereiro na edição impressa do Público)

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