Feb 8, 2009

O mundo "devia isolar um governo que incluísse Lieberman"

Ahmad Tibi, o líder dos árabes israelitas, no Knesset
(Jim Hollander/Reuters)

"Há um fascismo crescente em Israel", diz ao PÚBLICO Ahmad Tibi. Do lado árabe da campanha, ele afirma que só no voto há igualdade
Reportagem

Alexandra Lucas Coelho, em Taybeh

Nas campanhas, no exército, na escola ou no almoço de shabat, toda a gente em Israel fala de Avigdor Lieberman, o "russo" (na verdade, moldavo) que trepou nas sondagens até ao terceiro lugar.

E de quem é que fala Lieberman?

Deste homem carregado em ombros num salão com centenas de apoiantes. Tem um cachecol palestiniano, chama-se Ahmad Tibi e lidera os árabes israelitas que votam nas eleições de dia 10. É sexta-feira à noite, e isto passa-se em Taybeh, uma cidadezinha árabe no centro do país.

O estilo da campanha israelita não é de ajuntamentos. Grandes partidos como o Kadima só comunicam na véspera o que se vai passar, por "razões de segurança", e as acções podem ir de reuniões em hotéis a passeios de jovens. Não se avizinham grandes comícios, nem parece haver muita energia de campanha na rua.

Mas em torno de Lieberman há entusiasmo, e não é só a comunidade russófona (mais de um milhão), nem só desiludidos da direita tradicional, veteranos do exército ou colonos (como o próprio Lieberman, que vive num pequeno colonato na Cisjordânia).

Nos liceus de Israel fez-se uma espécie de inquérito - sem valor de sondagem, como indicação - e Lieberman era o político mais popular. Quando andou em campanha pela Galileia - uma zona com várias povoações árabes - adolescentes gritavam: "Morte aos árabes!"

O ponto-chave de Lieberman é "Sem lealdade não há cidadania" - os árabes de Israel que se recusem assinar lealdade com o Estado perdem direitos, como o de votar. Quis impedir os partidos árabes de concorrerem às eleições, mas o Supremo Tribunal recusou. Aqueles que se manifestaram contra a guerra de Gaza foram acusados de traição. E Tibi é visto como um líder dos traidores.

Então aqui está Ahmad Tibi, 50 anos, ginecologista de formação, deputado desde 1999 e vice-presidente do Knesset (parlamento).

A sua terra natal é esta cidadezinha, Taybeh, mais feia do que qualquer cidade dos territórios ocupados. Não é fácil chegar lá de transportes públicos. Como acontece com as povoações árabes israelitas em geral, não há transporte directo. Apanha-se um autocarro até à povoação judaica mais próxima, e aí há táxis colectivos onde viajam os árabes israelitas.

Árabes israelitas são os palestinianos que não deixaram ou não foram forçados a deixar as casas em 1948, quando Israel foi fundado. Hoje são mais de um milhão, 20 por cento da população.
Além dos transportes, queixam-se de discriminação em geral, num país definido como Estado judaico.

Racismo é parte do sistema
O salão de Taybeh está a encher. A grande maioria são homens. As mulheres estão juntas, com as crianças, à esquerda. Muitas têm a cabeça coberta. Taybeh é mais tradicional do que Jaffa ou outras cidades mistas.

Daqui a pouco Tibi vai entrar e ser levantado em ombros, mas por enquanto espera no andar de baixo.

"Há um fascismo crescente em Israel", diz, quando o PÚBLICO lhe pergunta como vê Lieberman. "A guerra de Gaza foi usada para encorajar este ódio antiárabe. O racismo já era o mainstream, mas agora é parte do sistema político. Lieberman é o equivalente a [Joerg] Haider ou [Jean-Marie] Le Pen, com uma diferença: aqui um imigrante fascista dirige os seus ódios contra pessoas indígenas."

Tibi tem uma mensagem para fora: "A comunidade internacional, que isolou o Governo austríaco por causa de Haider, deveria isolar qualquer governo israelita que incluísse Lieberman." E os israelitas, diz, deviam olhar para dentro. "Nós não temos medo dele, desprezamo-lo. A maioria judia é que devia ter medo dele, pensar porque é que esta planta cresceu."

Qual é a resposta de Tibi? "A situação estava madura na sociedade israelita, porque qualquer sentimento antiárabe é imediatamente explicado como autodefesa e não como racismo."
Em Israel, diz, "houve discriminação dos árabes em cada governo", mas tem piorado. Exemplos? "As primeiras 20 povoações em Israel com mais desemprego são todas árabes."

Isto, somado à guerra de Gaza, levou partidos árabes como o Balad, de Azmir Bishara - que está fora do país, acusado de espionagem durante a guerra do Líbano de 2006 -, a boicotar as eleições.

"Compreendo a frustração", diz Tibi. "Mas ficar em casa é um tiro na perna. É isso que Lieberman sonha, que os árabes não sejam parte do processo de decisão, ter o parlamento sem árabes como prefácio a ter o país sem árabes. Mandela e os negros na África do Sul lutaram, foram mortos e presos por pedirem o direito de votar. Porquê prescindirmos de um direito que já temos? Em Israel há discriminação nos fundos, na agricultura, na indústria, nas infra-estruturas, na terra, na absorção de académicos. Não há igualdade em campo nenhum a não ser esse: um homem, um voto. A liderança árabe no Knesset é a cobertura para proteger a minoria árabe. Em nenhum caso essa minoria deve ser deixada sem liderança política, parlamentar."

Continuar em Israel
Entre os árabes israelitas há quem defenda um só Estado, com judeus e árabes. Tibi defende dois Estados. "Lutamos para que a minoria árabe seja reconhecida, para acabar com o fosso entre judeus e árabes, com a ocupação nos territórios palestinianos, e para implementar a visão dos dois Estados baseada nas fronteiras de 1967."

Em Israel, há árabes que se definem simplesmente como árabes e outros como palestinianos.
E Tibi? "Sou um árabe palestiniano de Israel. Na personalidade de cada árabe neste país há dois elementos. Um é nacional, somos palestinianos árabes. O outro é cívico, somos cidadãos israelitas. E queremos desenvolver ambos de forma paralela, não contraditória."

Se houver um Estado palestiniano, onde ficaria Taybeh? "Somos cidadãos de Israel, continuaríamos a ser. Quando pedimos um Estado palestiniano independente, não é para sermos transferidos para lá, mas como autodeterminação do povo na Cisjordânia e em Gaza."

Às oito da noite a sala está cheia. Tibi entra com bandeiras e ao som do hino que apela a levantar o kaffiyeh, o lenço palestiniano. Nos discursos, Lieberman é o nome mais citado. Quando chega a sua vez, Tibi diz: "Esta terra é a nossa terra, nascemos aqui e ficaremos aqui, quer vocês queiram, quer não."

(publicado em 8 de Fevereiro na edição impressa do Público)

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