Tom Segev
Entrevista
Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém
Tom Segev, 64 anos, é um dos mais relevantes e traduzidos historiadores israelitas. Publicou “One Palestine Complete”, “The Seventh Million”, “Elvis in Jerusalem” e “1967”. Acabou de escrever uma biografia de Simon Wiesenthal, o “caçador” de nazis. Esta entrevista foi feita na sua casa de Jerusalém, cheia de livros e com uma velha primeira página de jornal emoldurada. É do dia em que o Estado de Israel foi declarado.
Entre os israelitas, esta guerra parece ter sido a mais popular em anos. É verdade?
Foi definitivamente mais popular que a anterior do Líbano, que não correu bem.
Há quem fale em euforia.
Não foi euforia, mas as pessoas dizem que algo tinha que ser feito contra o Hamas. Temos esta tradição de acreditar que determinamos a política palestiniana bombardeando o Hamas, ou quem não gostamos. E convencemo-nos de que é só uma organização terrorista. Mas é também um movimento político e religioso genuíno.
A tentativa de ditar aos palestinianos os seus líderes não resulta. Estão a disparar rockets até hoje.
O que é que a satisfação quanto à guerra revela sobre o estado da sociedade israelita?
Primeiro, nenhum país pode viver com rockets nas suas cidades. Netanyahu continua a dizer às televisões do mundo, consoante de onde vêem: “Imagine que isto acontecia em Lisboa...”
Com a diferença de que Lisboa não ocupa Espanha.
Mas é verdade que não é possível viver com rockets, sobretudo antes de eleições. Portanto, por várias razões, a sociedade israelita moveu-se para a direita – para a extrema-direita.
Agora temos um partido de extrema-direita muito forte [Yisrael Beytenu, dirigido por Avigdor Lieberman, em terceiro nas sondagens, à frente dos trabalhistas]. É o nosso Haider. O ódio racista agora é legítimo, ele está a legitimá-lo. E não é dirigido contra os palestinianos nos territórios, pior, é dirigido contra palestinianos que são cidadãos israelitas. É xenófobo, é racista. Este é o tipo de partido por causa do qual Israel chamou o seu embaixador na Áustria, quando Haider teve 25 por cento dos votos.
Porque é que é forte? Porque há um sentimento de desespero quanto à paz. A maior parte dos israelitas já não acredita na paz. Dêem-lhes paz, eles ficarão felizes, mas já não acreditam nisso.
Isto é fúria, mas também há um elemento de vingança.
Tendo em conta que não há hipótese de paz, que os palestinianos continuam a disparar rockets, que os governos anteriores falharam, primeiro com a guerra no Líbano, depois com toda a corrupção de Olmert – e este corrupto Olmert, que toda a gente odeia, vem com estranhas declarações sobre como devíamos devolver os territórios –, as pessoas moveram-se para o outro lado. Acho que é natural.
E não nos devemos enganar. Não são só pessoas vindas da Rússia. São também israelitas nascidos aqui. Portanto, ele [Lieberman] está a trazer ao de cima o pior que temos.
Geralmente diz-se que não há nenhuma sociedade democrática sem cerca de cinco por cento de fascistas. Mas este partido é muito mais forte. Acho isso alarmante.
O psiquiatra palestiniano Eyad Sarraj diz que a sociedade israelita está doente.
Não é como se o Hamas fosse um movimento liberal, democrático, aberto... O melhor que se pode dizer é que temos duas sociedades doentes, aqui. O Hamas é apoiado por uma maioria de pessoas em Gaza – porque é que apoiam uma organização tão horrível? Para mim, qualquer sociedade que se desloque em números maciços para a extrema-direita está de alguma forma doente. O fascismo é uma espécie de doença.
O desespero quanto à paz, o sentimento de que a política não serve para nada, e a continuação do terrorismo palestiniano – tudo isto levou a Lieberman.
A guerra em Gaza fortaleceu Lieberman?
Absolutamente. E é também um resultado de Lieberman, porque este é o tipo de pessoas que pressiona o governo, e com a eleição era inevitável que a guerra acontecesse.
Começou quando começou por causa dos rockets, das eleições, de serem os últimos dias de Bush, de ser época de festas, e de os céus estarem azuis, tornando fácil os aviões voarem. Era inevitável.
Não nos levou a lado algum. Não há um cessar-fogo que não pudéssemos ter alcançado antes. E a coisa alarmante é o pouco que os israelitas se estão a importar com a destruição de Gaza.
Isto, claro, tem a ver com o facto de não termos visto muito, mas também de não termos querido ver mais. Se os media realmente quisessem teriam feito um esforço para mostrar a destruição.
Há uma investigação agora sobre se Israel cometeu crimes de guerra. A primeira tendência israelita é desconfiar deste debate.
Os media não deram muita informação. As pessoas, naturalmente, já não querem saber, e como não sabem é mais fácil justificarem os acontecimentos.
As organizações internacionais são geralmente vistas com desconfiança nos países que cometem crimes de guerra. E é por isso que são importantes. Mas a maior parte dos israelitas tende a pensar que agimos em auto-defesa e tem vontade de acreditar que os palestinianos puseram rockets naquelas escolas e casas que foram destruídas.
Os israelitas têm muita vontade de acreditar que não violamos os direitos humanos. Não entendem que isso, claro, é uma ficção. A ascensão de Lieberman mostra que até a ficção é mais fraca hoje. Houve um tempo em que dizíamos para nós próprios: somos melhores que os outros. As pessoas que votam por Lieberman agora odeiam abertamente. São pessoas zangadas.
Gideon Levi [um dos poucos jornalistas israelitas que cobre a Cisjordânia] escreveu sobre o silêncio dos juristas em Israel quanto ao debate dos crimes de guerra.
Dos juristas, dos médicos. Até o Meretz [partido de centro-esquerda] apoiou a guerra por um dia ou dois.
Se quisermos ser justos, temos que nos lembrar que algo tem que ser feito quanto aos rockets. Provavelmente, esta foi a forma errada. A forma certa seria negociar com o Hamas. Não são pessoas agradáveis, mas são as que temos.
Tenho idade para me lembrar que há 30 anos as pessoas iam para a cadeia por falar com a OLP, porque era uma organização terrorista.
E mesmo que se avance para uma acção militar, não se pode magor civis. Não se podem bombardear cidades. Isso nunca está certo. Na II Guerra Mundial, em Hiroxima, em Hanói, em Beirute, em Sderot ou em Gaza.
Mas a maior parte dos israelitas apoiou. O apoio só começou a estalar quando emergiu a história muito dramática do médico palestiniano [que perdeu as filhas num bombardeamento e apelou em directo na televisão israelita]. Toda a vida ele trabalhou em Israel, toda a sua vida é sobre cooperação, e foi na televisão. Calculo que houvesse 200 histórias igualmente dramáticas, mas esta foi ao vivo. E foi quando as pessoas começaram a dizer: ok, talvez seja suficiente.
Isso leva a outra questão, o que os israelitas não sabem da ocupação, a noção de que há meio milhão de colonos.
Os israelitas não podem ir lá, os jornalistas geralmente não vão lá. Não sabem nada da Cisjordânia. É como se estivesse sob controle.
Porque está quieta.
E o terrorismo quase desapareceu.
Escreveu que provavelmente foi o maior erro da história israelita, quando Moshe Dayan e Menahem Begin quiseram reservar a Cisjordânia para os colonos. Hoje vê-se o resultado. A sua opinião é que será difícil traçar fronteiras razováveis e conseguir a paz.
Muito difícil, absolutamente.
Quando deixou de acreditar na paz?
Provavelmente antes da guerra no Líbano. Não sei bem. Para muitos israelitas foi o desapontamento de Oslo. E depois, a administração Bush deixou-nos fazer o que quiséssemos e vendeu a toda a gente a estúpida ficção do processo de paz, que no fim do ano haveria paz.
Paz como entre Portugal e Espanha é impossível. Há muitos lugares do mundo que gerem as crises de uma forma que torna a vida melhor. Israel tem muito a oferecer aos palestinianos em Gaza. Podemos abrir Gaza à Cisjordânia, o Egipto pode abrir Gaza.
O Hamas diz que está disposto a estabelecer um estado sem atacar Israel, mas não pode reconhecer Israel.
É uma espécie de gestão. Se pudéssemos lá chegar seria um acordo – eu olho todo o país como meu, tu olhas todo o país como teu, vamos esperar 100 anos e ver onde estamos. Acho que podemos alcançar isso. Paz é uma grande palavra. Para que precisamos de uma cerimónia em frente à Casa Branca?
Mesmo desmantelarmos colonatos na Cisjordânia não leva necessariamente à paz. Temos que fazer isso sem paz. Temos que os tirar de lá.
300 mil pessoas em colonatos que por vezes são cidades?
Ninguém fala em 300 mil, mas em 60 mil – os palestinianos falam em mais. Na verdade estamos a aumentar os colonatos todo o tempo. E quanto mais colonos, mais difícil. Do ponto de vista de Israel – ideológico, sionista –, é a coisa errada. É realmente irracional.
Porque é que continuam a aumentar?
Porque este é um país louco. Pensamos que as pessoas agem racionalmente, mas não. Não tenho uma explicação. É a coisa mais auto-destrutiva que não temos sensatez para ver.
Será o fim do sonho sionista?
Para mim, o sionismo é uma experiência que ainda não foi bem sucedida e ainda não falhou. Ainda estamos a experimentá-lo. Não posso assegurar que Israel como estado judaico tem um futuro. Não sei o que vai acontecer.
É um tabu?
Não, mas a maioria dos israelitas não concorda, portanto é irrelevante. Na América, entre intelectuais, toda a gente está a discutir um estado binacional, a velha ideia. Mas os árabes não querem viver connosco.
Como sabe?
Porque as pessoas querem ter o seu próprio estado.
O Hamas diz que não tem problema em viver com judeus.
Não nos tratariam melhor do que tratam a gente da Fatah. Se vamos ter um estado comum para judeus e árabes, isso só pode acontecer depois dos palestinianos terem o seu próprio estado. Não podemos querer que eles desistam de uma coisa que ainda não têm. Deixá-los ter o seu estado, definir a sua identidade, construir as suas instituições, fazer os seus erros. Porque quereriam viver com os judeus?
E entre os judeus não encontrará nem uma pequena minoria que queira isso.
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