Reportagem
A inauguração vista de Jerusalém Ocidental e Oriental
Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém
Mozarella, “tomate verdadeiro”, molho de especiarias e ananás, “porque é algo doce”. Eis a pizza Obama criada por Itzak Azencot, um israelita que sabe aproveitar o ar do tempo. Não bastava uma pizza, era preciso uma pizzaria.
E aqui está ele, no nº 47 da Estrada de Hebron, a grande avenida no sul de Jerusalém, por onde se sai para Belém e Hebron. Quem vai de carro não deixa de ver o nome, num toldo e em néon, e há cartões por toda a cidade. Depois, a Pizza Obama é quase um quiosque: balcão com cinco bancos, tabaco, “chiclets”, Itzak de pá na mão, a tirar pizzas.
Obama está por toda a parte, das paredes ao menu. Azeitonas, cogumelos, atum, queijo, e a cara de Obama. Obama com Netanyahu (favorito na corrida para primeiro-ministro em breve).
Obama a receber uma t-shirt “I love Sderot” (povoação israelita alvo de “rockets” do Hamas).
“Abri esta pizzaria há dois meses, antes dele ser eleito”, explica Itzak, que a 4 de Novembro celebrou com champanhe e hoje vai celebrar outra vez, depois de assistir à inauguração. “Gosto dele, da forma como fala, e acredito que vai fazer bem ao mundo só por ser preto, porque tem que provar que os pretos também podem fazer coisas boas ao mundo. Acredito que os pretos é que vão fazer a paz no mundo porque vêm do lixo. São as pessoas que vêm do lixo que conhecem a vida real, não os que estão sentados em gabinetes.”
Não há nada de racista nisto, esclarece. “Eu também sou preto.” Como assim? “Sou um judeu de Marrocos, e os judeus de Marrocos são como pretos em Israel.”
A família de Itzak veio de Casablanca e Marraquexe antes de 1948. Ele já nasceu aqui. Tem 49 anos, e três filhos, incluindo a jovem Denise sentada ao balcão, que gosta de Obama “porque é um homem que sabe o que quer e faz o que quer, um homem de acção”.
Mas poderá resolver o conflito israelo-palestiniano? Itzak começa por abanar a cabeça. Depois sorri. “Se me ouvir, pode.” Que lhe diria? “Que só há um Deus nas três religiões e que Jerusalém tem que ser um lugar aberto. Acredito que ele quer e pode fazer a paz, se for no caminho certo: dois Estados com as fronteiras abertas mas sem armas, onde toda a gente possa vir rezar e ir embora.” O problema principal, acha Itzak, é a religião: “Toda a gente quer ter Deus no bolso.”
Entretanto, no centro, onde a rua Jaffa se cruza com a Ben Yehuda – e a Jerusalém judia faz compras, passeia a pé e neste momento tenta contornar as obras do futuro comboio urbano –, Eduardo Dweik fez uma fusão Israel-Obama.
Israel adora a sua bandeira. Durante esta guerra de Gaza, povoações ao alcance de “rockets” transformaram-se em superfícies cobertas de azul e branco. Em Sderot há rotundas sem um único espaço livre: ao centro e à volta tudo está coberto por bandeiras. Bandeiras nos fios eléctricos, nos postes, nas árvores, nas casas.
Na loja de Eduardo também há muitas bandeiras, mas ele teve esta ideia para uma t-shirt: a palavra “shalom” (paz) em muitas línguas, e por cima “Yes we can – Israel”. Portanto, Israel pode fazer a paz? “Claro que podemos. Mas às vezes temos de ser fortes. Se me perguntar pelos palestinianos agora, eles mereceram.”
Para explicar porque mereceram, Eduardo, 53 anos, conta a sua história. Que é um judeu descendente de judeus da Síria. “Escaparam para Inglaterra nos anos 10, escaparam para a Argentina na II Guerra, e eu vim para cá em 1974 para fechar o círculo.” Ou seja? “Escolhi estar aqui e isso tem valor acrescido. Vim com muita vontade de paz. Votei no senhor Rabin, e na primeira oportunidade os palestinianos votaram no Hamas, que não queria a paz.”
Obama é quem vai fazer a paz? “Há grandes expectativas, mas Obama é só um homem. Fazem dele tanto, que será demais. Acredito que será um bom presidente, mas a América não é fundamental.” Não? “Não. Os árabes vêem a América como aliada de Israel e Obama não vai mudar isso. Os únicos que podem fazer a paz aqui são os árabes.”
Festa, não
A palestiniana Maureen Marroum entra na principal papelaria-livraria da rua Salahaddin, no centro de Jerusalém Oriental, e compra um calendário do poeta Mahmoud Darwish, que morreu no ano passado.
Católica, solteira, 37 anos, cabeça descoberta, olhos verdes, Maureen estudou jornalismo na reputada Universidade Americana do Cairo e trabalha há 13 anos no Consulado Americano, duas ruas acima. O cartão de visita dela diz: “Especialista em assuntos culturais para intercâmbios”.
Na noite da eleição de Obama, organizou uma grande festa em Ramallah, Cisjordânia, com 300 convidados. “Ficámos tão felizes!”, diz Maureen. “Comparei com a vontade de mudança que as pessoas aqui tinham em relação à Fatah, depois de tantos anos. Até padres e freiras votaram pelo Hamas em Gaza. Não estavam a pensar se eles eram islamistas ou não, queriam algo diferente.”
Não é uma partidária do Hamas que fala. É, aliás, uma severa crítica de todas as lideranças palestinianas. “Em relação a esta guerra, quem culpo mesmo são os palestinianos. Não houve uma estratégia nos últimos 60 anos, e é por isso que isto não está resolvido. Hoje temos um muro, menos terra, segregação. Há uma falta de sinceridade e convicção nos líderes palestinianos. E do outro lado há uma boa estratégia.”
Maureen simpatiza com Obama, mas fica por aí. “Acho que se vai centrar nos problemas domésticos, na saúde, na educação. Pode fazer alguma diferença neste conflito, gradualmente, mas somos nós que temos que nos ajudar, não é a América.” E hoje não haverá celebrações em Ramallah. “Por causa da guerra cancelámos tudo. Não é tempo de festa.”
Obama enche o balcão, nas capas da “Time” e da “Economist”. É nesta papelaria que se acham livros e imprensa estrangeira em Jerusalém Oriental. As pessoas cruzam-se, falam, debatem.
O dono, Imad Muna, 45 anos, é uma espécie de anfitrião, “optimista” por dever. “Temos de ser optimistas. Fiquei feliz quando os americanos escolheram Obama, acho que é uma grande mudança, pela primeira vez um negro na casa Branca, e a situação não pode ser pior do que com Bush.” Sorri. “Portanto, vamos esperar. Bush deixou-lhe muitos problemas, internos e externos, e primeiro Obama tem de mudar a imagem da América no mundo. O exame, será o Iraque, o Afeganistão e este conflito.”
Será ele homem para fazer a paz? “Tem carisma para isso.” Mas, sobretudo, e ao contrário de Maureen, Imad acredita nisto: “São os americanos que podem fazer a paz, não israelitas nem palestinianos.” Lembra Sadat, o presidente egípcio que fez a paz com Israel. “Ele disse que todos os cordéis estavam na mão dos americanos e eu acredito nisso.”
(publicado a 20 de Janeiro na edição impressa do Público)
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1 comment:
Leio-te sempre com toda a atenção que consigo que se demore nos meus olhos. Quero conseguir ser só metade da jornalista que tu és. :)
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