(© Reuters)
O do Hamas diz que há liberdade. O da Fatah diz que foi preso três vezes e que o Hamas tem matado e alvejado nas pernas gente da Fatah. É a desunião nas ruínas da Faixa de Gaza
Reportagem
Alexandra Lucas Coelho, Gaza
O Parlamento de Gaza fica no meio da cidade. Quem estaciona o carro nas traseiras pensa que já não há Parlamento, tal a destruição. Mas depois contorna-se o edifício e na parte da frente ainda há fachada. Lá dentro restam algumas salas, ou parte de salas.
Por exemplo, o hemiciclo podia ser uma instalação de arte contemporânea, com os retratos dos deputados ainda emoldurados em cima das mesas, cobertas de areia e cacos, enquanto emaranhados de metal e tubos pendem do tecto, semiderrubado.
É o começo da manhã, e funcionários e deputados do Hamas estão a chegar. Alguns sentam-se no pátio, porque deixaram de ter gabinete. Outros passam por portas emperradas através dos vidros, que não existem. E entretanto chega o ministro da Justiça do Hamas, Mohammed Al Houl, de 51 anos, um homem pequeno e grisalho, sem barba e com bigode, que estudou Direito no Cairo.
Dispõe-se a ser entrevistado, procura uma sala quase inteira, os homens que o seguem endireitam e limpam cadeiras para os visitantes.
Al Houl começa por descrever a guerra em Gaza, insistindo nas palavras "holocausto" e "crimes de guerra". Hoje, domingo, termina o cessar-fogo declarado pelo Hamas e há negociações no Cairo. "Nós respeitámos o cessar-fogo. Mas descobrimos que os israelitas insistem em violá-lo. Houve uma série de incidentes: disparos no Norte, incursões esporádicas. Três agricultores foram mortos e cinco pessoas foram feridas, quase diariamente atiram dos barcos, uma criança foi alvejada."
(Este último caso está no Hospital Al Shifa, um menino de seis anos alvejado no dia 22 com uma bala de M16, que os médicos e a família dizem que veio dos soldados israelitas na fronteira, perto de casa.)
Como numa jaula
"E ainda estamos numa jaula", continua o ministro do Hamas. "Os israelitas ainda não abriram as fronteiras à passagem de bens."
Quais são as condições para manter o cessar-fogo? "A abertura das fronteiras e o fim do cerco são as mais importantes. E depois a libertação dos prisioneiros desta guerra."
Quem ganhou a guerra? "Apesar do massacre, Israel não conseguiu nenhum dos seus fins, e portanto nós ganhámos e continuámos." Os rockets estão acabados? "Enquanto há ocupação há resistência, é o direito de cada nação ocupada."
Que espera de Obama?
"Esperamos uma mudança, mas os primeiros sinais não são encorajadores. Ele falou em manter a segurança de Israel sem ter condenado este massacre, e o silêncio foi um desapontamento para nós. Esperamos que a posição dele melhore. Não podemos julgá-lo com preconceitos."
E está o Hamas pronto a reconciliar-se com a Fatah, com quem cortou relações desde a tomada de Gaza, em Junho de 2007? "Queremos o diálogo e queremos um governo de unidade nacional, absolutamente", garante Mohammed Al Houl. " Apesar de sermos o Governo legalmente eleito pelo povo", ressalva, remetendo para as eleições de Janeiro de 2006. "O Governo que está em Ramallah sequestrou o poder." Mas "não há outra saída deste labirinto", reconhece. "Não temos alternativa."
Então já estão a falar com a Fatah? "Estamos a pedir à Fatah que fale connosco. Claro que há gente como o traidor Mohammed Dahlan [um ex-todo-poderoso da Fatah, que controlava o aparelho de segurança em Gaza, hoje em parte incerta] com quem não podemos falar." Com quem é que podem falar? O ministro faz uma pausa. "Nabil Shaath, Saeb Erekat." Ex-ministros e negociadores que estão na Cisjordânia ou no estrangeiro.
Há bandeiras verdes do Hamas por toda a parte em Gaza, mas não se vê uma bandeira amarela da Fatah, e a Fatah acusa o Hamas de reprimir e maltratar os militantes não-Hamas.
Três vezes preso
O ministro da Justiça contesta. "Aqui há completa liberdade, e é isso que frustra Israel, que queria que fôssemos para o caos. O problema é ao contrário. Em Ramallah é que não se pode levantar uma bandeira do Hamas. Em Ramallah há centenas de militantes do Hamas nas prisões. Aqui, não há um único prisioneiro da Fatah."
Gaza já teve centenas de milhares de militantes da Fatah. Agora, é como se tivessem passado todos à clandestinidade. Correm relatos à boca pequena de mortos e torturados. Ninguém quer falar, nem dando só o nome próprio, sem fotografia. Ninguém, não. Resta um porta-voz, Ibrahim Naja."
Sou eu que venho ter com os jornalistas, porque o Hamas confiscou o meu escritório", explica, sentado a uma mesa do Hotel Al Deira, o mais bonito de Gaza, onde muitos jornalistas estrangeiros ficam alojados.
Aos 63 anos, é um típico deputado da velha guarda da Fatah, fato e gravata e relógio vistoso no pulso, cabelo e bigode grisalho. Esteve com Arafat no cerco de Beirute, foi com ele de barco para Tunes, todo o arsenal mítico da OLP. "
Hoje a Fatah está banida de Gaza. O Hamas confiscou-nos todos os edifícios e escritórios." E Ibrahim Naja ainda nem começou a escavar no pior. "
Fui preso três vezes pelo Hamas, em Julho de 2007, e em Janeiro e Agosto de 2008. Puseram--me um, dois e depois cinco dias numa cela subterrânea e raparam o meu bigode, o que aqui é um sinal de humilhação." Torturaram-no? "Quando um homem como eu é posto num subterrâneo sozinho, quando me rapam o bigode e o cabelo, quando ameaçam cortar--me as mãos e os pés, quando me insultam nas rádios e nos jornais do Hamas, o que é que isso quer dizer? Se eu não tivesse influência na rua, se não tivesse o apoio das pessoas, tinham-me torturado e matado. No dia em que me cortaram o bigode, milhares de homens raparam o bigode em solidariedade comigo, em Gaza e em Ramallah. Até em campos do Líbano e da Jordânia."
O Hamas acusava-o de quê? "Queriam que eu dissesse sim ao golpe deles, seria uma mensagem para os militantes da Fatah. Mas eu recusei e fui para casa." Não saiu de Gaza. "O Hamas foi eleito pelas pessoas, não há dúvida. O presidente Abbas deu-lhes autoridade para formar governo. Eles propuseram um governo de unidade. Depois fizeram o golpe e não percebemos porquê."
O Hamas alega que gente como Dahlan, por não ter engolido a derrota nas urnas, estava a promover tumultos para criar a impressão de caos em Gaza.
Ibrahim Naja contrapõe: "Os problemas foram começados pelo Hamas." E como é que a Fatah se tornou tão rapidamente invisível? "Porque não temos a mentalidade da guerra civil. Alguns foram embora, mas a maioria está aqui. Não é opção recuperarmos o poder pela guerra civil, portanto estamos em casa."
Mas muitos têm sofrido, afirma. "Dezenas de militantes da Fatah foram mortos em suas casas. Acha que isto não cria medo? Agora sou o único que fala, para manter os outros seguros." Já depois da guerra, garante, "cinco pessoas da Fatah foram mortas em casa, 80 foram presas e ainda estão nas mãos do Hamas". E o Hamas "alveja militantes nas pernas": "Tenho uma lista de nomes em casa. Depois de tomarem o poder, foram mais de 100."
O ministro da Justiça diz que o Hamas quer falar com a Fatah. Este deputado banido responde: "Porque não falam comigo? Eu estou aqui. Eles não estão a falar a sério. Se não têm prisioneiros, onde estive eu?" Em suma: "O Hamas está a mentir."
(publicado em 26 de Janeiro na edição impressa do Público)
1 comment:
Com este (e outros) artigos da Alexandra confirmamos as suspeitas de que esta história da Palestina e das pobres vítimas árabes tem sido mt mal contada.
Sedes da Fatah iluminadas por faróis de Mercedes e as do Hamas por miseráveis lanternas.
A vitimização islâmica é uma fraude monumental.
Como sempre os inocentes pagam com a vida, julgando combater por uma causa. Mas é só por causa.
Post a Comment