Feb 13, 2009

Entrevista a Zeev Sternhell

Zeev Sternhell - Lieberman é um fenómeno perigoso, não nos enganemos

Não chama guerra ao que aconteceu em Gaza, porque é uma vergonha para a geração dele, que combateu exércitos. Acha que Lieberman pode ser um perigo real, mas não só ele, também os religiosos. Juntos numa crise podem mandar a democracia de férias. De resto, Israel não quer saber do que se passa em Gaza. Entrevista com um dos grandes intelectuais de Israel
Alexandra Lucas Coelho, em Jerusalém

Em Setembro, a casa de Zeev Sternhell (n. 1935) foi atacada com uma bomba e ele ficou ligeiramente ferido. Um choque para gerações de leitores e discípulos deste historiador especialista em fascismo, um dos mais admirados intelectuais israelitas.

Sternhell é um crítico empenhado do movimento dos colonatos e a polícia suspeita que o ataque tenha vindo da extremadireita.

Um sinal da "fragilidade da democracia" israelita, comentou Sternhell.

Entrevista na sua casa de Jerusalém, na tarde a seguir às eleições.

Ficou surpreendido com os resultados das eleições?
Já eram conhecidos há semanas, nada é realmente surpreendente.

Era sabido que o Partido Trabalhista está em queda, é um processo com pelo menos 10 anos, senão 30. Nos últimos 10 anos, perdeu 60 ou 70 por cento do eleitorado.

Desde o tempo em que era o partido de Ben Gurion, dos pais do Estado.
É o partido que fundou o Estado, e não só, preparou-o para a independência pelo menos 30 anos antes. Portanto, isto é muito triste, mas não é uma surpresa. O mesmo para o pequeno partido Meretz [esquerda moderada], que perdeu a sua identidade.

E depois de muitas experiências anteriores, comprovou-se que uma guerra é sempre favorável à direita.

Porque se as pessoas querem um partido político muito forte, que use a força contra os árabes, ficam com o original, não levam a litografia. Porquê ficar com o Labour quando podem ficar com o Likud? Ou Lieberman? Ou um dos partidos religiosos de direita? Porquê votar por um partido cuja ideologia não é a confrontação mas cuja prática é? É melhor escolher alguém que sabe o que quer e cuja prática põe em acção uma ideologia de confrontação, em vez de escolher aqueles definidos há muitos anos como os que matam e choram.

Antes escolher gente que mata e sorri.

Há também aquela frase que diz: "Mata tantos árabes quanto possível e fala tanto de paz quanto possível". Neste caso, trata-se de escolher quem mata muitos árabes e não fala muito de paz.
Nos últimos três anos, tivemos muita conversa sobre paz mas nada fazendo para a alcançar, permitindo que os colonatos se desenvolvessem, como acontece há 30 anos. Desenvolver os colonatos é considerado OK pelos americanos, porque eles pediram para não criarmos novos colonatos.

Portanto, não faz mal se pegarmos num colonato e o expandirmos 30 ou 50 por cento em mais terra árabe terra árabe privada, e isto continua enquanto estamos aqui a falar, a expansão dos colonatos sob os auspícios do ministro da Defesa Ehud Barak.

Durante estes três anos de conversa sobre a paz, fizemos duas guerras, se é que a operação de Gaza pode ser chamada guerra.

Para a minha geração, é uma vergonha chamar-lhe uma guerra.

Lutámos contra os exércitos árabes, vimos os nossos aviões serem abatidos, os nossos tanques a explodir, enterrámos dezenas e dezenas de camaradas em guerras sucessivas. Agora esta coisa, um dos mais fortes exércitos do mundo a atacar uma Gaza desamparada, não é algo a que eu chame guerra.

Foi uma operação punitiva.

Como a segunda guerra do Líbano é considerada um meio falhanço, se não um falhanço, porque tivemos demasiadas baixas, para impedir baixas em Gaza empregámos o tipo de força que se sabe. E para fazer isso não é preciso a esquerda, a direita chega.

Portanto, muita conversa, duas guerras em que nada foi conseguido, três anos para nada.
Sendo assim, não há hipótese para qualquer processo de paz, seja qual for o Governo formado daqui a dez dias ou três semanas.

Pode ser chefiado por Tzipi Livni, por Bibi Netanyahu, o resultado será o mesmo. Talvez o tom seja um pouco diferente, mas mesmo Netanyahu falará com uma voz diferente se e quando for primeiroministro.

Portanto, para o dito processo de paz, estas eleições significam nada.

Como dizemos aqui, temos visto muito processo mas não temos visto paz nenhuma. Se o processo não está morto está moribundo, a não ser que os americanos decidam que querem avançar. Sozinhos, Israel e a Autoridade Palestiniana são incapazes de alcançar resultados.

Nenhum avanço poderá ser conseguido sem uma intervenção forte, brutal, da América. Da União Europeia também, mas a América é mais importante.

Obama é o homem para fazer isso?
É difícil dizer. Ele está envolvido em tantas dificuldades. Até agora, este conflito tem tido um lugar muito pequeno nas prioridades americanas. Os americanos não se importavam realmente que israelitas e palestinianos se matassem desde que isso não tivesse grande influência na região.
Enquanto estiver confinado a Gaza e a Nablus, quem quer saber? Se tivesse influência real no Iraque, no Irão, seria diferente.

Obama mexeu-se um pouco, pôs George Mitchell. Mas temos visto tantos enviados a ir e vir. Dennis Ross, com os seus olhos tristes, aterrou no aeroporto Ben Gurion várias vezes todos os anos. O que conseguiu? É preciso esperar semanas, senão meses, para ter uma ideia. Mas seja como for é melhor que Bush, porque Bush era menos que zero.

A sua visão da guerra de Gaza não é a da maioria em Israel. Mesmo um partido de esquerda como o Meretz apoiou inicialmente a guerra. Não houve uma percepção do sofrimento em Gaza, até que as pessoas viram na televisão o médico que perdeu três filhas. Como é que alguém da sua geração, em termos morais, vê a reacção de Israel a esta guerra?
É verdade que a grande maioria dos israelitas simplesmente não queria ver o que acontecia em Gaza. Havia explicações muito boas, como responder à agressão do Hamas.

Temos tendência para nos vermos sempre como vítimas, e isto dura há dezenas de anos, provavelmente desde a II Guerra.

Até agora, que somos um poder militar, ainda nos vemos como David, e Golias está sempre em Gaza.

Durante a guerra, a televisão israelita não mostrou o que os espectadores na Europa viram.
Temos a CNN e tudo isso, mas os canais israelitas não podiam mandar repórteres e não mostraram o que foi filmado por outros. Foi uma combinação conveniente para os israelitas. Sim, eles sabiam que provavelmente entre 350 e 400 crianças tinham sido mortas em Gaza, mas a responsabilidade era dos palestinianos, porque o Hamas se escondia na população o que não é falso, porque não há um exército do Hamas, estão aqui e ali, no cimo dos prédios.

Esta manhã assinei uma carta dirigida ao ministro da Defesa a pedir uma investigação à morte das três filhas do médico de Gaza.

O exército clama que um par de snipers ou gente a dirigir o fogo de Hamas foi identificada no topo do prédio. O médico diz que não há qualquer hipótese de haver gente do Hamas aí. O israelita típico prefere acreditar no porta-voz do exército. Eu não acredito no portavoz do exército desde os meus 20 anos.

Mas para muitos israelitas é bom, a sua consciência fica limpa. Abba Eban, um mitológico ministro dos Negócios Estrangeiro [de 1966 a 1974], dizia: "Se não usares a tua consciência, de facto ela fica limpa."

É uma forma que as pessoas encontraram para viver, uma estratégia de sobrevivência.
É um reflexo psicológico de autodefesa. Não ver o que acontece ao pé da nossa porta é um hábito pelo menos desde a Guerra dos Seis Dias. Não queremos realmente saber o que está a acontecer na Cisjordânia. Fica a alguns quilómetros de Jerusalém Oriental, e preferimos não ver e não saber.

Se queremos viver uma vida normal, essa é a forma.

O líder da extrema-direita Avigdor Lieberman cresceu nestas eleições para os 15 deputados. O seu partido é agora o terceiro em Israel. É um fenómeno temporário, ou tem a ver com a evolução da sociedade israelita?
Lieberman é comparável a Le Pen, em França. É o mesmo tipo de psicologia. Em alguns aspectos é comparável a ditadores dos anos 70 e 80 na América do Sul, ditadores autoritários, com políticas económicas liberais, Pinochet, os generais argentinos.

Não gosto de usar o termo fascismo porque tem um significado mais complicado para mim. Mas o fascismo não é a pior coisa no mundo. Os ditadores argentinos e Pinochet foram muito mais brutais, violentos, sangrentos que Mussolini.

Isso agora já não se faz.

Lieberman não está a pôr em causa a democracia, e Le Pen também não estava. Mas democracia não é apenas pôr um papel numa urna. É antes de mais direitos do homem, igualdade entre todos os cidadãos, e isso é algo que Lieberman não aceita.

Direitos do homem é algo ridículo para ele e a gente dele. E árabes e judeus não têm os mesmos direitos para ele porque os árabes reconhecem o Estado de Israel mas não um Estado judaico, e isso é suficiente para fazer deles cidadãos de segunda ou terceira, e alguns deixarem de ser cidadãos. E a separação de poderes: Lieberman odeia o Supremo Tribunal, que, como não temos constituição, é o pilar da democracia israelita.

Portanto, ele não reconhece realmente elementos básicos da democracia. E está a ficar mais forte de eleição em eleição. É um fenómeno perigoso, não nos enganemos.

Mas ele não é o único perigo. O partido Shas [dos sefarditas ultraortodoxos] é fundamentalmente anti-democrático. São até antisionistas.

Porquê?
Porque para eles Israel não tem a mesma importância que para mim, não é um objectivo, não tem valor em si, é só um instrumento para tornar possível esperar pelo Messias, e o sionismo não era isso.

Portanto, se juntarmos Shas, Lieberman e os outros partidos religiosos, temos pelo menos um quarto dos membros do Knesset que não estão comprometidos com a democracia, e as estruturas democráticas de Israel. Numa situação de crise, pode ser perigoso.

O que pode acontecer?
Como aconteceu na I Guerra, podem mandar a democracia de férias. Governar sem a supervisão do Supremo Tribunal, por maioria simples no Knesset, ou se necessário sem o Knesset. Mas não seria preciso, porque esses 25 por cento facilmente conseguiriam o apoio de 25 por cento do Likud, apesar do Likud ser um partido democrático.

A questão de saber se a democracia é um valor em si ou é boa para tempos de luxo, é uma grande questão. Não era difícil conseguir uma maioria que a achasse a democracia boa mas não para todos, ou nem sempre. É preferível não pormos isso à prova.

Como é para alguém da sua geração ver Israel a caminhar assim para a direita?Não é exactamente aquilo que esperávamos e pelo qual lutámos.

Não imaginámos uma sociedade onde as desigualdades estivessem entre as maiores do mundo ocidental. As coisas podem mudar, mas a maior parte de nós não está contente. E não é uma coisa de geração, mas de visão do mundo.

Num inquérito nos liceus, Lieberman foi o líder mais popular. E as opiniões minoritárias pagam um preço alto a si, aconteceu-lhe recentemente ser agredido. Há algo doente na sociedade israelita?
Numa sociedade em permanente tensão e guerra, cujas gerações mais jovens estão habituadas ao domínio colonial sobre outro povo, a quem negam o direito a uma existência nacional, é normal que os jovens respondam a um apelo de um líder forte, de alguém que faz piadas sobre o Supremo Tribunal. É normal em sociedades desestabilizadas.

Estamos numa situação comparável à Europa em vários momentos da História. Estamos quase sempre em guerra, e também temos de enfrentar o terrorismo, o Hamas é um movimento terrorista, recusa-se a aceitar a existência de Israel. Numa situação destas, os jovens tendem a ir para a extrema-direita.

O mero facto de o sistema democrático não ter sido abanado até às fundações nos últimos 60 anos é um feito, mas um feito que tem de ser defendido sempre.

Mas ainda estamos numa situação em que não sofremos uma grande derrota. E enquanto não a sofrermos e a situação económica não for catastrófica, o sistema funciona.

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